O fecho de “Salve Geral: O dia em que São Paulo Parou”(Brasil/2009), filme de Sergio Rezende, é o que se pode chamar de “trágico happy end”. O paradoxo cabe no modo como diversos enfoques colidem. Inspirado nos acontecimentos de 2006, quando S. Paulo foi alvo de ataques diversos provocados por presos aglutinados no que se chamou de PPC, o roteiro se ampara na personagem Lucia (Andréa Beltrão), uma professora de piano, bacharel em Direito, mas sem exercer a profissão, que se dedica, integralmente, a livrar o filho adolescente (Lee Thalor) de uma prisão efetuada quando este assassinou acidentalmente uma pessoa. O percurso da vida anterior entre os dois é apresentado através de um dialogo entre mãe e filho quando ela tenta atenuar a revolta do garoto ao evidenciar a morte recente do marido, a falência da firma em que ele trabalhava, a queda brusca do status familiar. Sem recursos, portanto, Lucia é obrigada a se armar com as “regras do jogo”, aderindo à corrupção policial para advogar uma causa aparentemente impossível.O filme, em tese, trata do amor de mãe e da situação sócio-política que gerou um acontecimento real. O primeiro enfoque foge do esquema melodramático e diz bem claro do sacrifício que pode passar uma pessoa para reconquistar um ente querido. O segundo é mais delicado. O problema das penitenciárias seja as estrangeiras que se vê no cinema seja a nacional como se viu em “Carandiru” ou “Estômago”, é dramático. No prisma dos presos, a cadeia nada mais é do que um depósito de pessoas. Ao ser encaminhado à cela, Rafael (Lee Thalor) ouve de imediato o que as imagens exploram: “Aqui tá apertado, mas não está lotado”. Só não se diz que há espaço para dormir deitado. Rafael é obrigado, de inicio, a dormir sentado com a cabeça sobre os braços. No prisma da sociedade, o lugar do suposto bandido é mesmo na prisão, não imposta como ele fique por lá. O clima de violência crescente no mundo (não só no Brasil) dita uma reação social à miséria que chega à periferia das grandes cidades. Numa entrevista, Andréa Beltrão comentou sobre o fato corriqueiro de as pessoas de carro fecharem a janela à aproximação de uma criança pedindo esmola no semáforo. E o que esta criança fica pensando? Sem família, sem recursos, o futuro é o crime. Por outro lado, o criminoso desapega-se de qualquer liame afetivo. Geralmente usando drogas, rouba e mata até por achar “divertido” fazer isso. O filme é radical ao mostrar que os detentos são pessoas violentadas por um sistema cruel. Não acusa diretamente os governantes (não cita o nome) nem usa nomes reais na denuncia de corrupção policial. Neste ponto “Salve Geral” é menos drástico do que “Tropa de Elite”, a lembrança mais próxima. Esta posição acaba sendo ambígua: os presos passam a ser revoltosos políticos, e os policiais um governo corrupto a ser deposto. A “guerra” na rua, acionada por um comando de dentro da cadeia a quem o filme chama de “partido”, usa dos mesmos métodos de uma revolução qualquer. Interessa derrubar um governo, no caso uma representação de governo. Não importa se esses revolucionários, ou guerrilheiros, são realmente ladrões, assassinos, contraventores diversos.Como temática, o roteiro de Rezende evidencia um cinema de contestação. Os pólos de uma luta armada não são delineados imparcialmente. Há heróis e vilões na linha sectária como em qualquer “thriller” policial, apenas mudando os postos: quem nos diversos “duros de matar” são bandidos, agora são “mocinhos”. Mas se não coube profundidade no modo como se conduziu a trama, esta condução me pareceu muito boa, pois o que o roteirista constrói são enfoques de um episodio transbordante, ou seja, explodiu pelo acúmulo de situações dramáticas numa prisão despojada de respeito por quem está lá. Exibindo o requinte de produção incomum no país, o filme nada fica a dever, artesanalmente, ao cinema que se introduz no gênero. E traz um elenco bem dirigido, embora alguns diálogos ainda fraquejem dos ditos de certos tipos, pelas diferenças culturais. De qualquer forma, as quase 2 horas de projeção mantêm o espectador interessado, sem desvio de atenção. No décor, o significado de uma corrida de carros não leva à tipificação do episodio, mas à construção de uma marca da atenção de adolescentes que se mantém na euforia da competição.Volto ao assunto. Cotação: *** (Bom).
Há 5 horas
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