quinta-feira, 8 de abril de 2010

CHICO XAVIER



“É impossível contar a história da vida de um homem em duas horas”. Com esta frase Daniel Filho, que se diz ateu, produziu e dirigiu “Chico Xavier”(Brasil, 2010), o filme que se tornou um fenômeno de bilheteria, caminhando para ser o recorde do cinema nacional e que estreou nacionalmente na sexta feira santa, dia em que o médium mineiro completaria 100 anos.
O roteiro de Marcos Bernstein (de “Central do Brasil”) procurou encaixar as informações contidas na biografia de Francisco Candido Xavier escrita pelo jornalista Michel Souto Maior, para gerar um programa de duas horas e dez minutos de projeção. Cobriu a ação de 1918 – quando capta o personagem ainda criança –, a 1975 quando o médium deu uma longa entrevista à TV Tupi dentro do programa “Pinga Fogo” (editada em DVD e existe nas locadoras com o selo da Versátil Home Vídeo). A base da história é essa entrevista, com recortes para as diversas etapas de vida do entrevistado, usando-se de constantes flash-backs (a ação desloca-se no tempo e volta para os estúdios da televisão pontuando o que se exibe).
É possível criticar algumas intercessões insuficientes. Por exemplo, o caso da reportagem feita por um jornalista norte-americano que duvidava das mensagens psicografadas. Truncado, o material parece não ter sido concluído. Também não se discute muito o caráter das cartas e livros escritos pelos espíritos – e para as/os quais Chico jamais pediu remuneração. Há um breve momento em que uma consulente reclama de uma mensagem supostamente enviada por seu filho dizendo que “não era daquela forma que ele a tratava nem a assinatura se parecia com a dele”. Também não são focalizadas as investigações cientificas que foram feitas por especialistas em parapsicologia (algumas publicadas). A intenção não foi discutir se o fenômeno da mediunidade na sua expressão máxima em termos de Brasil é ou não verdade. O filme simplesmente conta a vida de uma figura que ganhou a mais alta expressão desse gênero.
Há momentos de grande apelo emotivo aos espectadores, como o sofrimento do menino órfão de mãe aos 5 anos, entregue à madrinha que o maltratava cruelmente chegando a ponto de impor-lhe lamber um ferimento no joelho de outro menino. Esta infância pontuada de sofrimentos ganha alivio nos encontros do pequeno Francisco com o espírito de sua mãe (Letícia Sabatela), um encontro freqüente que o ensina a suportar as privações. Também ajuda muito a escolha dos atores para comporem três etapas da vida de Chico: Matheus Costa (quando menino), Ângelo Antônio (como rapaz) e Nelson Xavier (como adulto). Impressiona a semelhança física de Nelson com o personagem que interpreta. O ator procurou até a postagem da voz, muito característica.
Creio que a maioria dos leitores ouviu falar ou procurou detalhes da vida de Chico Xavier. Por isso é o publico quem vai ser o maior critico do filme. Daí ser muito interessante observar como as exibições vão se portar daqui pra frente. Creio que a maioria vai aprovar o trabalho de Daniel Filho. Como cinema, reconheço as limitações e louvo o “tour-de-force” para compor um quadro pertinente com o homem-mito que se retrata. Um perfeccionismo foi tentado até nas locações, com filmagem em Pedro Leopoldo e Uberaba, as cidades mineiras onde o médium morou e ajudou muitas pessoas. O que fica de fora e não se esmiúça são as atividades do jovem empregado como escriturário do Ministério da Agricultura, e a sua gradativa independência econômica: a reunião da família com protegidos e adotado. A base é a comunicação com o além. Nesse ponto também é pouco discutida a constituição de Emmanuel, o guia espiritual de Chico. O personagem é mostrado em muitas ocasiões com uma roupa que evoca o que se sabe por outras fontes, ou seja, que ele teria sido a reencarnação de um soldado romano.
A vida de uma pessoa, especialmente de uma figura com uma riqueza de ação como a de Chico Xavier, realmente escapa de uma síntese que em cinema cubra pouco mais de duas horas. A seleção de material é, portanto, discutível. Mas a linguagem, os enquadramentos, os planos, a iluminação, os movimentos de câmera, todo esse conjunto que faz a narração, é coeso na proposta acadêmica do produto. Mais implicaria noutra proposta de linguagem. Ou noutro tipo de cinema.
Cotação: Bom (***).

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