domingo, 25 de setembro de 2011

CÓPIA FIEL




Em seu primeiro filme ocidental – “Cópia Fiel”(Copie Conforme/França, 2010) – o iraniano Abbas Kiarostami (“Gosto d Cereja” (1997) investe num tema insólito: o valor da cópia. Não é bem o que Orson Welles dissertou em “Verdades e Mentiras” onde a discussão ficava nas artes plásticas, embora a densidade desta discussão levasse a outros paradigmas como a arte-farsa. Mas o filme de Kiarostami abrange outros planos dessa outra realidade que pode surgir de diversas maneiras e em diversos setores da atividade humana.
O roteiro do próprio diretor inicia com a palestra de um escritor inglês, JasonMiller(William Shimell), em Toscana, que está lançando o seu mais novo livro e o tema é justamente a cópia, o que representa uma recriação da obra de arte. Na platéia, a dona de um antiquário, Elle (Juliette Binoche), atenta para o assunto que muito a interessa (afinal lida com relíquias que podem ser falsas), ao mesmo tempo tolera as indagações do filho menor que não tem paciência de aturar a fala do inglês. Terminada a palestra ela se acerca do escritor e passa a vagar com ele pela vila de Lucignano, indo a um café, caminhando, ao tempo em que discutem o tema que ele levantou.
O filme não se fecha no argumento de que uma cópia possui o mesmo valor afetivo, ou mesmo intelectual (desde que se concerne à repercussão cerebral do encontro do consumidor com o trabalho em foco) do original. Deixa para o espectador discutir. Mas amplia a abordagem mostrando os diversos ângulos da mentira vestida de verdade. Um deles: Elle e Miller passam por marido e mulher ao brincar com um garçom num pequeno restaurante. Continuando o passeio eles também continuam como um casal casado ao encontrar outros casais na situação. Não há, como o espectador pode esperar acostumado com as comédias românticas de Hollywood, um relacionamento intimo conseqüente. Se eles são cópias de marido e mulher comportam-se como esboços da situação evocada. Não atendem aos detalhes da realidade que imitam. O que há, na verdade, é a exposição do que é representado nessa situação.
E o filme é cheio de detalhes, muitos exclusivamente formais, indicando matéria para se discutir o que é real e o que é ficção ou representação. Certos enquadramentos endossam a visão fantasiosa que os personagens querem viver (como quando Miller está numa janela vendo o cenário que a localidade lhe oferece). Seria um caso de incutir novas personalidades em certas pessoas pela imposição e fatos que elas passam a viver? Por outro lado, a discussão leva ao valor da cópia. Ela possui o mesmo valor de um original? Um quadro pintado por um renascentista e copiado por um artista moderno (como Welles mostrou em seu “canto de cisne”) é vendido como peça antiga e quem comprou tem horror de pensar num engano. E um filme copiado por um aventureiro (em película ou em DVD)? Possui o mesmo efeito para quem o assiste posto que as imagens gravadas são as mesmas da original,não mudam (no máximo, quando preservam o enquadramento e a banda sonora original só deixam desvios técnicos que podem passar como do mecanismo de projeção) ?
Oscar Wilde dizia que a vida imita a arte mais do que esta imita a vida. Contudo, o filme de Kiarostami abrange outros planos dessa representação ao evidenciar a expressão da arte no comportamento humano. Seus personagens vão continuar casados de fantasia? Ou se lembrarão sempre do tempo em que viveram uma cópia de sua situação civil ou mesmo afetiva? Essas e outras questões são jogadas para o/a espectador/a, como Antonioni jogou em “Blow Up”, ou em “A Aventura”. O cineasta iraniano diverte-se copiando temas e alertando que cinema, como “a ilusão repetida 24vezes por segundo” pode ser muito divertido quando enigmático. E emocionante ao explorar o jogo conceitual revelado, tornando-o mais exato.

Um belo filme que deixa o cinéfilo discutindo por muito tempo.

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