domingo, 11 de dezembro de 2011

AMANHÃ NUNCA MAIS


“Sempre se volta para casa” é a frase que encerra a aventura de Walter (Lazaro Ramos), um médico anestesista, que deixa o serviço no hospital onde trabalha em excesso para levar o bolo de aniversário da filha que foi encomendado e está sendo esperado na festa promovida pela família.

“Amanhã Nunca Mais” (Brasil, 2011, 77 min.) engana no titulo e no rótulo de comédia. Não se pode dizer que no dia seguinte o personagem da história se arrependa do que fez e do que vê fazerem. Também não se pode dizer que a sua odisséia pelas ruas de São Paulo em tempo de Natal e com chuva é matéria para rir. No caminho de casa, deixando atrás um ato que pode custar o emprego, Walter encontra diversas formas de obstáculos, começando com um motoqueiro que atropela (sem ter culpa, pois o referido avançou sinal fechado) e passando pelo assédio de uma prostituta e de uma antiga colega de escola (Maria Luisa Mendonça) que deseja descontar o tempo perdido (e a bebida que lhe sobe à cabeça) num colóquio amoroso e apressado.

Engarrafamento de transito, chuva, tempo limitado, o cenário da história é uma forma de terror. Em paralelo, a festa de aniversário da filha corre como todas as outras de classe média. A diferença é que a esposa não cansa de telefonar para o marido cobrando o bolo.

O diretor Tadeu Jungle veio da TV e da publicidade. É o seu primeiro filme de longa metragem. A primeira sequência começa com o quase final, focalizando o personagem dirigindo como louco entre centenas de veículos que cortam as ruas da grande cidade à noite. Uma legenda pede flash-back. E uma nova seqüência de praia traduz o modo de vida das figuras a serem abordadas com cuidado. A praia cheia de farofeiros e com a pequena futura aniversariante pedindo para ir ao banheiro, a avó designando e insistindo com o genro para acompanhá-la (o tom autoritário mostra dois eventos: a aceitação da ordem e a posição do genro naquela família). Nesse espaço & tempo evidenciam-se várias situações: a afinidade entre marido e mulher, o comportamento da sogra, os tipos e figuras circundantes (planos próximos de nádegas em biquínis, idem de mulheres obesas, uma conjunção a analisar o ridículo, o que pode arrancar sorrisos da platéia e, com isso, deixar o rótulo errôneo de comédia ao filme). Segue-se o gesto de interferência na vida do grupo: um telefonema que chama Walter ao trabalho. A partir daí sente-se a reação da esposa e, na chegada de Walter ao hospital, são indicados quem lhe faz companhia, o modo como as pessoas se mostram vulgares na demonstração do que é esperado que faça. Define-se a relação familia-trabalho na vida de Walter com esse mergulho num campo em que ele vive um extenso plano de atividades e o formato das atitudes de outros, fora da família, com ele.

O grande triunfo de Jungle é o ritmo que consegue com a profusão de closes, os cortes rápidos, as tomadas de trânsito embaralhado contrastando com a fluidez do inicio em que são referênciados os primeiros créditos. O roteiro de Marcelo Muller e Mauricio Arruda (e ainda do diretor) objetiva sempre o estado de espírito do seu personagem, do profissional de saúde tímido que não costuma dizer não a quem lhe pede um favor com medo de desagradar, do bom marido e pai que apesar de todas as boas qualidades chega a ser alvo de demonstrações de preconceito (é negro e isso é agravante no entender do cirurgião seu superior hierárquico) e até de adúltero, por familiares.

O “amanhã nunca mais” se traduz muito mais profundo na sequência final quando se observa a reação de Walter ao que sempre viveu e sua nova atitude ao descobrir os motivos de seu constante estresse.

Um filme tenso que aproveita lições do neo-realismo. Lazaro Ramos, Maria Luisa Mendonça e Vic Militelo brilham em seus desempenhos. Não percam.


Nenhum comentário:

Postar um comentário