Anne Hathaway na interpretação de Fantine em "O Miseráveis"
O
prestigio do cineasta Tom Hooper depois do filme britânico “O Discurso do Rei”(2010)
levou-o à redescoberta do clássico romance do escritor francês Victor Hugo, “Os
Miseráveis” (Les Miserables, publicado em 1862), várias vezes filmado. Hooper
não apenas se dignou a realizar mais uma versão do drama de Jean Valjean, o
homem que na Paris do século XIX rouba um pão, é condenado e posto em liberdade
e perseguido, daí em diante, pelo policial Javert, uma perseguição logo
transformada numa obsessão. Hooper foi buscar no musical da Broadway, de Alain Boublil com roteiro de William Nicholson a partir da obra de
Claude-Michel Scönberg, afinal quem levou a obra ao teatro. Mais ainda: Hooper
não usou dublagem empregando vozes de cantores de opera. Colocou os próprios
atores para cantar, gravando na hora da filmagem. A ousadia fez com que Russel
Crowe, famoso pelo seu desempenho em “Gladiador”(2000) e outros filmes de ação,
assumisse o papel de Javert e cantasse a sua gana na perseguição a Valjean,
encarnado e cantado por Hugh Jackman (de “Gigantes de Aço” e os dois exemplares
de “X-Men”).
“Os
Miseráveis” (UK, 2012) ganhou mais de duas horas e meia na tela e ousou inserir
no texto original francês alguns momentos, como um confronto de espadas entre o
policial e o perseguido. Mas essa liberdade ficcional sobre um livro famoso que
leva o filme ao patamar da critica possivelmente está no gênero em que foi baseada
esta nova versão do filme, extraida de uma peça musical. Sabe-se que o livro original é composto de cinco volumes, cada um deles
priorizando um personagem que circulou na epopéia entre Valjean e Javert – Fantine,
Cosete, Marius, a epopéia das barricadas e, finalmente, Jean Valjean. Desse
grande painel do século XIX segue-se a crítica à miséria e a pobreza desses
personagens. Possivelmente a extração de um ou outro episódio privilegiado no
musical tenha favorecido os demais que os leitores de uma parte do livro de Vitor
Hugo desconheçam. Quando este foi
escrito, a meta foi justamente a miséria e a ausência de liberdade (vale dizer
de justiça). Contam que a inspiração foi uma palavra escrita com sangue numa
parede. O certo é que embora se possa pensar
que “Os Miseráveis” não parece ser alvo ideal para um show da Broadway
como se fez com “O Fantasma da Ópera”, ele foi sucesso por lá, daí a
significação ao ser adaptado para o cinema.
A platéia
que aprecia opera e opereta deve ter estranhado a opção pelo musical sem
cantores profissionais (vale dizer sem vozes marcantes), havendo uma escravidão
da câmera à marcação teatral, evidenciando-se uma direção de arte de alto custo
e belisima e uma fotografia (de Danny Cohen) a ressaltar nos tons, a época da
ação.
No
cinema, depois de ilustres edições, esperava-se a utilização da moderna
tecnologia para enfatizar o drama do pobre Valjean que mesmo galgando altos
postos na vida é alvo de perseguição de uma falange legal que se mostra
insensível (ou capaz de dar margem ao papel de defesa). Hooper quis inovar e
seguir a linha da peça musical. E a julgar pelas candidaturas ao Oscar, este
ano, parece que atingiu seu alvo. O filme é mais um incisivo diferencial nas
atuais candidaturas ao mais conhecido prêmio da indústria cinematográfica. Há qualidades
no filme e a mostração do desempenho dos concorrentes, carece um olhar apurado, por
exemplo, quando a câmera focaliza Anne Hathaway como a pobre e doente Fantine,
em close, chorando (e cantando) a sua desdita. Como o Oscar é uma “feira de
amostra” sem dúvida na celebração dessa premiação há lugar para Hugh Jackman,
candidato a melhor ator, ao lado de Daniel Day Lewis, o melhor Lincoln do
cinema. Um desempenho esquecido nessa categoria foi a de Jean Louis Trintignant,
em “Amour”. E até Bem Afleck como diretor do tão favorito “Argo”. As razões da indústria,
somente a lógica do preço vai ser uma referência ímpar. E nós, que optamos
pelas palmas estéticas nem sempre ficamos satisfeitos e continuamos não entendendo
a lógica da academia.
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