segunda-feira, 28 de setembro de 2009

AMANTES








Tenho em conta que a forma de elaborar idéias se deva ao clássico pensar o argumento ou argumentos que se quer desenvolver. Entre a definição do dicionário (assunto, tema, enredo) e a do conhecimento científico (as posições de sujeito e objeto numa oração), no caso do cinema, argumento é a idéia trabalhada sobre a qual se desenvolverá, sequenciadamente, atos e ocorrências constitutivas do roteiro. Qualquer teórico dessa arte se reportará a esse elemento que faz parte do processo narrativo. Sem o qual não haverá nada ou haverá o vazio. Mesmo no surrealismo de Buñuel o argumento se faz presente como uma figura da linguagem, fragmentada, a qual o diretor irá se posicionar.
Posto isto, numa longa caminhada entre tratar do filme de forma a descrever-lhe o argumento e considerar as situações técnicas que favorecem a sintonia entre a interpretação pessoal e o significado particular do que esse filme quis evidenciar com a tecnologia especifica – seqüência, planos, enquadramentos etc. –, conclui-se que quem trabalha a palavra do ponto de vista de formular idéias sobre alguma coisa que estuda ou pratica (na ciência política, estudo recrutamento político; no cinema, a construção formal constituída da proposição do argumento sem que isso se torne o relevante, sob pena de estraçalhar o formato da escrita), tem que passar por essa fase da composição, sob pena de desfigurar o pensamento/idéia sobre o que é escrito, deixando de não abranger o leitor ou leitora (se o texto se externaliza).
Dessa forma, vejo um campo propicio para o olhar argumentativo e suas conseqüências de significados em “Amantes” (Two Lovers, EUA, 2008), de James Gray. Na classificação do gênero (hoje uma praxe qualitativa de mercado, cf. estudos sobre o sistema capitalista e suas formas de produção, na perspectiva marxista), o filme se acha na linha do drama (episódios em série, com efeitos complexos, complicados, tocantes). Personagens incorporam personagens, ou seja, atores e atrizes protagonizam os episódios dramáticos. Concentra-se em uma figura masculina e deriva para outras, no caso, em Leonard (Joaquin Phoenix). Mas o saber quem é essa figura e delinear seu tipo vêm ao longo da construção do roteiro que procura afinidades com o que quer evidenciar no tipo. Na primeira seqüência do filme, a câmera acompanha um homem andando numa ponte, que esboça um gesto de atirar-se dela, segue-o a queda do corpo na água, afundando-se, quase em afogamento, mas em certo momento retorna à superfície sendo auxiliado pelos que assistiam ao episodio. Estes afirmam que ele se atirou e ele desmente negando o ocorrido. É o primeiro indicio sobre a personalidade dessa figura que chega à sua casa molhado e, no olhar dos pais, não esconde a atitude, segundo a mãe (Isabella Rossellini) em dialogo com o marido, dando a conhecer, para o espectador, de que é a segunda tentativa de suicídio do filho. Desse ponto em diante pode-se captar recursos para a composição do conteúdo, ou criar o perfil daquela figura masculina. Ele vive com os pais, da classe média do Brooklyn, imigrantes judaicos, conhece Sandra (Vinessa Shaw) em um jantar em sua casa com os pais dela que tendem a fechar negócios comerciais. Estes estimulam a aproximação entre os dois jovens, uma oportunidade para a concretização da parceria financeira. Enquanto Sandra se interessa por Leonard, este não sugestiona reciprocidade, mas “faz o jogo” familiar. Não se tem sobre ele – esse é um elemento criativo de Grey – uma definição de personalidade. Mostra-se em dubiedade em muitas coisas, ou não estimula o espectador a defini-lo imediatamente.
O encontro entre Leonard e Michelle (Gwyneth Paltrow), uma vizinha do edifico em que mora, trás, de imediato, uma euforia afetiva ao rapaz que se sente atraído por ela. A dúvida entre a realidade de um evento amoroso com Sandra e o sentimento que passa a sentir por Michelle transforma o itinerário existencial do jovem. Entre a convivência mais próxima com a vizinha, as nuances de uma incógnita da personalidade dela e as evidências da vida afetiva anterior na qual esta se envolve, são passos que reorganizam o espírito de bipolaridade do apaixonado Leonard.
O eixo focal foi estabelecido em, pelo menos, três seqüências e deu oportunidade de traçar alguns comentários sobre o entrelaçamento de Leonard e suas atitudes. Não usando o aspecto psicológico para essas evidências, mas entendendo o re-processar existencial do jovem.

O encontro entre Leonard e Michelle (Gwyneth Paltrow), uma vizinha do edifico em que mora, trás, de imediato, uma euforia afetiva ao rapaz que se sente atraído por ela. A dúvida entre a realidade de um evento amoroso com Sandra e o sentimento que passa a sentir por Michelle transforma o itinerário existencial do jovem. Entre a convivência mais próxima com a vizinha, as nuances de uma incógnita da personalidade dela e as evidências da vida afetiva anterior na qual esta se envolve, são passos que reorganizam o espírito de bipolaridade do apaixonado Leonard.
O eixo focal foi estabelecido em, pelo menos, três seqüências e deu oportunidade de traçar alguns comentários sobre o entrelaçamento de Leonard e suas atitudes. Não usando o aspecto psicológico para essas evidências, mas entendendo o re-processar existencial do jovem.
Se ambíguo ao tomar decisões sem remédio para a estabilidade emocional e agir impensado, com Sandra, no primeiro momento, Leonard (Joaquin Phoenix) recorre ao estabelecido (status quo) considerando a afinidade que ela lhe trouxe num primeiro diálogo que mantiveram na casa dele. Mas a jovem não é tratada pela câmera como esta o faz sobre Leonard, portanto, é na atitude masculina em relação às representações do feminino que será mantido esse foco. Das celebrações em que ambos se encontram, à conversa de “homem para homem” entre Leonard e o pai dela, à hora da sexualidade que eles convivem à socapa, o espectador está mais tendente a ver o que faz Leonard e não se toca muito no tipo dela. Esse enfoque, a meu ver, fortalece a visão tradicional da subserviência feminina, sem deixar de mostrar o sentimento que a jovem dedica ao personagem-centro. Nem ninguém espera que chegue a tanto, pois o “véu iluminador” sobre ela está composto na normalidade da submissão entre os gêneros. E se no final, o abraço entre os dois que afeta a cena, por suposto, elimina o dilema sobre a atitude tomada por Leonard pela estabilidade emocional, o complicador é que um rápido enfoque, quando ele arruma às pressas a mala para viajar com Michelle a São Francisco, mostra-o em dúvida se leva ou não o frasco do remédio antidepressivo e, no final, evidencia-se a decisão de levar consigo a “proteção” aos seus males de decepcionado com a vida. A câmera adota um percurso final libertador para Leonard seguindo para a recepção em sua casa, em meio aos convivas onde encontra aquele “refugio salvador” no abraço de Sandra. Levar para casa a dúvida sobre esse momento é o grande insight do diretor.
Em relação á Michelle, os orgasmos tanto espirituais quanto orgânicos que passa a sentir por ela e com ela, também dão a Leonard a supremacia nas seqüências. Nesta figura feminina está mais trabalhado o tipo. Sedutora pela beleza, pelos gestos e anatomia corporal, afeta a capacidade emocional do rapaz. Na cena de sexo entre os dois, desde o ambiente onde esta é construída – lugar (terraço do prédio); temperatura (frio de gelar), cores (cinza sobre azul), aos encontros iniciais entre eles, a ordem de reconhecimento da pessoa que estremeceu o coração/mente é dele. A fragilidade com que a jovem é vista, estilhaça-se para os demais contornos do arquétipo feminino tradicional. Ele agora é poderoso, pode conseguir a re-composição pessoal dela (deixar de ser toxicômana), tratar dela, supor que será o preferido e não o “outro” do afeto dela, sobrepor-se à pessoa que foge aos padrões tradicionais porque é casado. Há o fato de se sentirem próximos pela afinidade emocional, destroços humanos se amando. Mas é sobre Leonard que será contada a trama de mais uma decepção. A cidade de São Francisco não os verá como imaginam. A volta para casa depois de uma quase tomada de decisão mórbida não diz, contudo, o que se seguirá. O abraço entre Sandra que agora vai “cuidar dele” de forma canônica, ao olhar da mãe que mais uma vez o recebe com sempre, um olhar de grande afeto, calculando o imprescindível e o tocante para o filho, tendem a ser uma re-novação.
Fluência, equilíbrio, definição de tensões sem mostrá-las resolvidas, são os pontos-chave que qualificam o cinema de Grey num excelente filme.
Cotação:*****




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