quinta-feira, 29 de julho de 2010

MÚSICA E FANTASIA



Nos final dos anos 1970, os recém inaugurados Cinemas 1 e 2 exibiram com sucesso a animação italiana “Música e Fantasia” (Allegro, non Troppo; Itália, 1976), paródia do clássico “Fantasia” de Walt Disney, incluindo seqüências cômicas com atores entre os números musicais ilustrados por clássicos de vários compositores.

A produção revelou o talento do cineasta Bruno Bozzeto. A sequencia inicial brincava com a fonte da paródia, focalizando um produtor, protagonizado por Maurizio Michelis, que recebia um telefonema de Los Angeles reclamando que o seu filme, a ser apresentado naquele momento, era plágio de outro, realizado há muitos anos por um tal de Prisney. Seria a primeira de muitas alusões para suscitar o riso, nem sempre imaginosas. A maioria envolve o animador, interpretado por Maurizio Nichetti. Ele é o tímido clássico, trajando fraque, gravata borboleta, óculos e usando um bigode grosso à maneira de Grouxo Marx. Tende a ser uma figura que se atrapalha e por isso recebe censura do maestro (Nestor Garay), situações amenizadas pela atenção da bela servente (Mariluisa Giovanni). O maestro, no caso, rege uma orquestra de mulheres idosas. Elas estão sempre bem humoradas e servem de apoio à comicidade do filme posto que na verdade não regem coisa alguma.

A animação é composta por seis números musicais que servem aos desenhos. Os mais interessantes, que não saíram de minha memória, foram “Valsa Triste” de Sibelius, onde um gato lembra os bons momentos que passou na casa de uma família, estando o imóvel em ruínas por onde ele vaga tendo lampejos de lembranças alegres do passado. Há outro, “Bolero”, de Ravel, onde é contada a história dos seres vivos na Terra a partir de uma garrafa de Coca Cola jogada num deserto. A alusão da famosa marca de refrigerante como marco da civilização acabou sendo imitada. No documentário “Os Deuses Devem Estar Loucos”(The Gods Must be Crazy/África do Sul, 1980) também uma garrafa dessas é abandonada numa região erma da Austrália por alguém que parte de avião. O objeto passa a ser visto como um deus, pelos aborígines. Bozetto e seu sócio no roteiro Guido Manuli, usam bem a idéia para construir um painel da evolução das espécies, desde os animais unicelulares ao ser humano. Tudo no compasso correto da bem orquestrada interpretação da obra de Ravel.

Muito interessante – e nesse ponto o filme não envelheceu, são vinhetas cômicas com auxilio de desenhos. Uma delas pega fogo e vê-se o bonequinho se espremendo no exíguo espaço de um pedaço de papel com medo de ser queimado. Também é criativa a saída do sofrido desenhista e sua amiga, os dois cansados dos gritos do maestro opressor. Ele desenha a si e a amiga e saem voando pela sala. Seqüência digna de um grande mestre como o veterano Jean Cocteau.

O filme marcou uma época entre nós. Sempre lembrávamos “Musica e Fantasia’ com um ar saudoso. E a imagem crescia na memória com o passar dos anos sem que surgisse o DVD em edição brasileira. Uma cópia em VHS foi lançada, mas a exibição estava pouco distante do que explorou a tela grande e qualquer critica ficava diminuída com a idéia de “cult” alimentada até mesmo pela nostalgia de um tempo.

Hoje, é possível que os espectadores de ontem sintam certa decepção. Há exemplos assim: a memória idealiza mais do que a verdade. Como há o reverso: filmes que não nos sensibilizaram na estréia são revistos com certo entusiasmo, deixando-nos a discutir o motivo de um precipitado conceito positivo à obra revisitada.
Bruno Bozzetto tem em sua filmografia 48 filmes e somente dois, ao que consta, foram exibidos por aqui. O último, “Armi su Strada”(2008) é um curta de animação. De todos os títulos, “Allegro non Troppo” é o mais evidente, tendo recebido o premio David di Donatello, o equivalente ao Oscar na Itália, de forma especial.

No próximo sábado o filme será apresentado na Sessão Cult do Cine Libero Luxardo (16 h) com debate no final da projeção. É uma relíquia de um gênero que hoje está merecendo um olhar cuidadoso dos grandes produtores.

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