quinta-feira, 7 de outubro de 2010

COMER REZAR AMAR





Outro dia, um programa de TV por assinatura apresentou uma entrevista com a escritora Elizabeth Gilbert, autora do “best-seller” “Comer, Rezar, Amar”. Como era uma entrevista de brasileiro para brasileiros/as, a escritora mostrou-se alegre, expansiva, dizendo que se tratava de uma autobiografia (seu marido atual é brasileiro). E aproveitou para dizer que gostou muito do filme que fizeram sobre o seu texto, especialmente pela escolha de Julia Roberts. Realmente um”alter-ego” como Julia, que depois da maternidade emagreceu bastante e que durante as filmagens na Itália disse ter engordado 5 quilos, é gratificante. Mas se isso basta para quem concebeu a idéia básica do argumento, como foi apresentada na tela do cinema é no mínimo discutível.

O enredo cobre os anos que se seguiram ao divorcio de Liz, uma escritora bem sucedida que achou um único modo de superar o fim de uma união de mais de 8 anos: viajar. Ela escolhe um roteiro que começa por Bali, onde consultará um xamã que lhe prognostica uma completa mudança no plano econômico e um novo objetivo de afeto, circula em Roma, onde se deliciará com a culinária italiana, vai a Calcutá onde reza nos locais sagrados do hinduísmo e volta a Bali não só para “prestar contas” ao xamã mas achar o novo amor.

Se a personagem enfrentou trauma emocional e achou que percorrendo outros cenários seria a solução para seu problema é uma concepção bastante especifica. Nada no roteiro exprime que a escritora norte-americana viaja para esquecer males passados. Não há qualquer detalhe cinematográfico que esmiúce uma personalidade, que construa um tipo que tenha sofrido uma ruptura traumática na sua vida afetiva. E, principalmente, pelo fato de pouco se exigir da personagem interpretada por Julia Roberts de expressões correspondentes ao que se sabe dela (pelo que está escrito). Noutras palavras: não há cinema de introspecção, deixando o diretor Ryan Murphy optar pelo cinema turístico.

Realmente o filme parece um desses documentos de viagem, ou comercial de agencia de viagens. O que se vê dos lugares onde circula a protagonista é o que se vêm mostrando anos a fio desses mesmos espaços, seja em cinema comercial, seja em tele programas. Do tipo “Pelo Mundo” de um canal fechado de tv. E se esta é a opção psicológica da escritora, a pressa em mostrar o modo como vai se firmando entre as guloseimas e as predições animadoras dos magos orientais chega a chocar a quem, por exemplo, assistiu no cinema a trilogia de Michelangelo Antonioni (“Aventura”,”A Noite”, ”Eclipse”) sobre a incomunicabilidade.

A receita “comer rezar amar” (assim mesmo, sem virgulas entre as palavras) é um recurso que pode ser interessante se focalizado de uma forma que se detenha no que há de substancial nesses quesitos. Talvez o livro, que eu não conheço, chegue a isso. Afinal, escrevendo a sua própria experiência. Elizabeth Gilbert deve ter exposto uma sinceridade inconteste. Afinal, é a sua experiência, o que lhe aconteceu (e por mais que não tenha sabido dissertar sobre suas emoções o modo de expor, a partir de uma cronologia, deve ter sido sincero). O filme é fantasioso e longo demais (140 minutos). Deixa a impressão de que os intérpretes se divertiram mais do que os espectadores. E um detalhe: quando se focaliza o amor brasileiro de Liz (Javier Bardem) ouve-se a nossa bossa nova, o que é um alívio para a monotonia crescente. O cômico é dizer que brasileiro beija filho na boca. Podemos ser carinhosos, mas a nossa cultura afetiva está muito mal colocada no filme.

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