segunda-feira, 27 de junho de 2011

UMA CIDADE, DUAS VERSÕES













As primeiras tomadas de “Meia Noite em Paris” (Midnight in Paris, EUA, 2011) de Woody Allen, referem um tempo, uma estação, um estado d’alma de um jovem que ama a cidade-luz, ama ou supõe amar sua noiva com quem está preste a casar-se, mas se sente perdido em meio aos seus desejos, de ficar com esses dois amores e não saber como compartilhar seus ideais. E ao aproveitar um sentido metafórico de “viajar no tempo”, consegue esse convívio, pelo menos em instantes onde circula com seus “cicerones” por templos dedicados à cultura literária e artística de outro tempo, o dos anos vinte. Emocionado ao encontrar-se entre figuras sobre as quais tem informações tanto das obras que produzem como de inusitadas excentricidades pessoais, o escritor (Owen Wilson) visita lugares onde se acham personalidades da literatura, pintura e cinema como Ernst Hemminway, Zelda e F.Scott Fitzgerald, T.S. Elliot, Pablo Picasso, Gaugin, Toulouse Lautrec, Salvador Dali e até o cineasta Luis Buñuel.
Na cadência de uma trilha sonora de autoria de Cole Porter, revê seu interior refletido nesse tempo e prefere acompanhar outra jovem que como ele ama a chuva caindo na cidade, molhando o corpo, fazendo renascer quem quer ser um sonhador, criador, enfim, alguém que achou no sonho de ontem a liberdade de expressão e de viver.




Jean-Luc Godard deu uma versão diferente à sua cidade em “Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela (2 ou 3 choses que je sais d'elle, 1967) considerado uma comédia dramática. Em 87 minutos ele refere duas personagens – Paris e Juliette Janson (Marina Vlady) e vai circulando e documentando o tempo que tantas mudanças trouxe à vida da metrópole e das pessoas. Esboça a “nova” Paris impactada com os acontecimentos mundiais. Trata do aqui e agora “dela”, da cidade que entrou no ranking das sociedades de consumo, de conflitos demonstrativos da luta das superpotências como a guerra do Vietnã e gravita em torno “dela”, de Juliette, uma dona de casa que circula entre os cuidados com a família e a prostituição, melhor meio de ganhar dinheiro e satisfazer seus desejos, para alguns, frivolidades, para ela, sonhos de sobrevivência.


Entre as duas versões, os caminhos do cinema se cruzam e nos dão um painel de tempos sociais e onde emoções e desejos revelam-se os construtores de identidades. Se Allen refletiu a Paris repleta de intelectuais norte-americanos, Godard deu vazão à sua maneira de ver o mundo despojado desses sonhos, mas demonstrando saber mais “dela” do que outros que se aventurem a amá-la. É a sua Paris sufocada pelos bombardeios de todos os matizes.


(Texto originalmente publicado na coluna de Marco Moreira, no domingo, 25/06. na revista TROPPO)




Nenhum comentário:

Postar um comentário