domingo, 27 de janeiro de 2013

DJANGO DE TARANTINO


 


Christopher Waltz e Jamie Foxx em desempenho magistral: Django Livre.
 
Creio que poucos cinéfilos de hoje assistiram a “Django” (Itália, 1966) de Sergio Corbucci (1926-1990). Na época, o filme não foi bem recebido pela critica como, aliás, todos os faroestes europeus (realizados na Itália ou na Alemanha), exceção dos dirigidos por Sergio Leone – “Por um Punhado de Dolares”(1964), “Por Uns Dólares a Mais” (1965) – filmes que revelaram o talento de Clint Eastwood, ainda desconhecido em sua pátria. Hoje o leitor pode consultar o site imdb.us e acessar o link “external reviews” procurando “Rotten Tomatoes”, balanço da critica norte-americana e observar os elogios datados da década que atravessamos. A revelação de Corbucci passa pelo trabalho atual de Quentin Tarantino “Django Livre” (Django Unchaned/EUA, 2012) ora vencedor de 2 Globos de Ouro e candidato a 5 Oscar (mas este diretor diz ser fã, também, de Tonino Valerii, Sergio Sollima e Giuseppe Vari).

Os chamados pejorativamente “western spaghetti” caracterizavam-se pela busca de um realismo no cenário dos filmes de cowboys vendidos anos a fio por Hollywood. Surgiam personagens vestidos de capas escuras e longas, chapéus de abas largas, pouco afeitos à limpeza (ou glamour) e, no andar e fazer cercados de silencio, apenas cortados pela música geralmente composta pelo argentino Luis Bacalov (136 filmes no currículo). Essas características foram levadas por Tarantino a seu “Django Livre” como uma forma de homenagem ao subgênero que ele admirava desde jovem (assim como seu colega Sam Peckinpah (1925-1984).

O cineasta hoje cultuado pela juventude e critica mostra, neste seu 17º filme, um perfeito domínio da linguagem cinematográfica mais ousada, narrando de forma linear, mas objetiva e rica, o drama de um escravo, o Django do titulo (em excelene interpretação de Jamie Foxx) que busca a esposa, Broomhilda (Kerry Washington) na fazenda de um milionário, Calvin Candie (Leonardo di Caprio) onde sofre torturas por tentar fugir do cativeiro. A busca so acontece porque Django encontra apoio no alemão King Schulyz (Christopher Waltz, extraordinário) dentista que ora se limita a ser caçador de recompensas, matando bandidos que a policia persegue. King liberta o escravo Django e os dois saem à caça de diversos perseguidos aproveitando para justiçar os cruéis escravagistas.
     A violência que o diretor de “Cães de Aluguel” sempre gosta de exibir não falta no seu primeiro western. Mas como aconteceu em “Bastardos Inglórios”(2009), seu trabalho anterior, esta violência se transforma em ação de “vendetta”, um temaque Tarantino persegue por ser uma reação contra perversidades. Interessante o que ele diz sobre isso ao ser questionado em uma entrevista que deu à revista BRAVO!:“A vingança é a matéria-prima da narrativa de gênero – romances baratos, tragédias gregas, dramas shakespearianos... Ver um personagem superar seus opressores é uma das emoções mais profundas que se pode ter num cinema. Quem não quer ver um escravo vingando-se do senhor malvado ou do capataz? (...)”

No filme anterior ambientado na 2ª Guerra Mundial a revanche dos oprimidos pelo nazismo ganha até mesmo uma licença cômico-dramática quando se vê Hitler e seus assessores imediatos explodirem explicitamente dentro de um cinema que exibe um filme alemão. Voltado ao velho oeste norte-americano, o objetivo da vingança é contra a ação dos escravagistas que são impiedosos para com os negros comprados em mercados específicos. Nesse tempo e espaço (Texas pouco antes da Guerra Civil), observa-se, por exemplo, um negro ser dilacerado por cães a mando do seu dono. O bastante para que o público queira ver o castigo ao malvado. Mas o castigo maior espera-se contra um outro negro, um bajulador empregado da fazenda de Calvin, o veterano Stephen (Samuel L. Jackson) que delata o plano da dupla Django & King para libertar Broomhilda. A este se pede mais do que uma bala, e este pedido da plateia é satisfeito num final literalmente explosivo e bem colocado como uma superexposição da “mecânica”do western, ou seja, do mocinho derrubando o bandido.
       O tratamento ao tema da escravidão, nas mãos de Tarantino não está somente nessa ação de vingança pelo que se arvora chamar de violência. O ímpeto é mostrar de que forma os brancos norte-americanos impunham sua política racista e esta ideologia introjetava-se nos próprios negros. Esse é um dos trunfos do diretor, usando um gênero de cinema e inovando a dinâmica com sua maneira de narrar.
 
      Gostei muito do filme e é provável que volte a tratar dele. Há muito mais a dizer e eu nunca fui tiete de Tarantino. “Django” mudou a minha opinião.


Um comentário:

  1. Luzia, assisti ao filme ontem, com um bom fã de Tarantino. Tem uma diferença grande assistí-lo aqui, em Berlim, devido à figura importante e carismática, no filme, do "Dr. Schultz", esse alemão bonachão, simpático, ardiloso, que ensina a Django não apenas a ser um grande atirador, mas também a saber convencer, a insistir no poder das palavras (na conversa decisiva de Django com os "brancos", a quem convence libertá-lo, quando o estão levando prisioneiro para "quebrar pedras"). Há também a história de "Brunilde" e "siegfried", saída das lendas nórdicas, mas que ganharia tempos depois, toda a sua importância nas óperas wagnerianas. O cinema vem literalmente abaixo, por exemplo, quando o personagem de Leonardo de Caprio, tentando falar alemão troca "Schultz" por "Schmulz", que quer dizer "sujo". Vi o filme em inglês com legendas em alemão. Todo o diálogo, em alemão, entre Schultz e Brunilde, quando ele vai contar que Django, seu marido, está na sala ao lado, é de uma ternura, de um lirismo, como se ele, que ouviu desde criança a história de "Brunilde" e "Siegfried", estivesse ali, diante da concretização dessa história. Por outro lado, Tarantino faz uma releitura do mito totalmente anti-nazista avant la lettre(a leitura de Wagner é considerada por muitos, como uma espécie de preparação do nazismo), ao transformar o herói germânico, nórdico, branco,louro e de olhos azuis (características do que se chamará depois "raça superior")pelo negro, na condição de escravo. A cena em que o personagem de di Caprio apresenta as teorias racistas da época acerca da diferença entre negros e brancos é, neste sentido, absolutamente perfeita, para Tarantino fazer sua crítica ao nazismo e toda forma de preconceito, representado pelo fazendeiro facínora americano, enquanto o alemão está ali, sentado na mesma época e declarando a todo instante que Django é um "homem livre". Assisti o filme num cinema de rua, que constituem 90% dos cinemas de Berlim, uma cidade que tem mais de 50 cinemas. Gostei da trilha sonora também, em especial da releitura do tema clássico, que é do grande Enio Moriconne. Viva Tarantino!
    Abração,
    Ernani

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