domingo, 6 de dezembro de 2009

NA TRILHA DA VIDA, ALÉM DO CINEMA










Um blog de cinema tem especificidades no enfoque - filmes, notícias, críticas, enfim, tudo o que remete à perspectiva de uma arte, considerando o assunto diário de quem se propõe a criá-lo. E tem sempre os seus leitores e leitoras, mesmo que estes/as não deixem nenhum recado on line. Esta ferramenta, entretanto, oferece a oportunidade de que sejam expandidos os depoimentos de blogueiros/as, que não vêem qualquer restrição ao que decidem escrever. Pode-se dizer que se trata de um “caderno de argumentações” servindo de escape para novas rotas de depoimentos. Neste caso, minha opção no texto atual não é de cinema, mas para registrar duas perdas muito sentidas por mim, na última semana de novembro: a de meu colega de área de conhecimento (Ciência Política/UFPA), Adalberto Trindade Cardoso (foto), e a do médico Hélio Titan.
Acompanhei a recente enfermidade do Adalberto pelas noticias que me davam seus alunos, meus bolsistas da UFPA. O mal súbito, a seqüência de exames cardiológicos e o desfecho fatal da doença motivaram comentários preocupados de meu colega Cauby Monteiro, maior amigo de Adalberto. Mas o desenlace foi uma surpresa para mim que no dia do seu falecimento acompanhava a cirurgia de uma filha, o que me impediu de, pessoalmente, participar do velório. O choque foi muito forte e, nessas horas, vêm à lembrança os flashes da presença da pessoa na trajetória que empreendemos num conjunto de episódios. Como num filme, vi o tempo-Adalberto na minha caminhada profissional desde 1994 quando me sugeriu o nome de uma jovem recém-universitária para trabalhar comigo, a amapaense Josinete Lima. Uma excelente indicação, diga-se, pois, não só as atividades da Josi nesse seu primeiro contato com o meio acadêmico foram extremamente produtivas, como os laços da amizade se formaram muito fortes entre nós até hoje, e espero que para sempre. A “filha acadêmica” auxiliou a minha produção na pesquisa e nos vídeos realizados (com a Cristina Maneschy), tornou-se minha bolsista de confiança, além de agregar outras pessoas no trabalho que fazia como a Marineide Almeida e a Ana Cristina Soares.
A vice-chefia do então Departamento de Ciência Política, em 1996, levou o Adalberto a representar essa unidade no VI Encontro sobre Mulher e Gênero no Norte e Nordeste que organizei regionalmente como coordenadora da REDOR (Rede Feminista de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Gênero –N/NE). Aliás, ele foi a única autoridade a estar presente nesse conclave, embora, nos encontros realizados em outros estados, os reitores ou seus representantes das universidades estejam presentes.
Outros flashes da memória se interpõem, não só no eixo acadêmico, mas no lado afetivo, seqüenciando as atividades profissionais quando, no final de cada ano nos reuníamos em minha casa para a confraternização natalina. A evidência de seu respeito a mim ia além desse evento, que nunca deixava de participar.
Ainda na caminhada acadêmica, como coordenadora de cursos de especialização e em TCCs, lembro que o Adalberto era sempre convidado a participar da banca examinadora dos trabalhos monográficos dos alunos. Suas análises eram revestidas de uma critica de conteúdo e metodológica sobre o que achava do trabalho, despojado da tendência que se vê em alguns docentes de mesclar as criticas acadêmicas a detalhes personalistas. Esse, a meu ver era o grande mérito do Adalberto. Ser severo sem constranger alunos/as e orientadores ao mostrar as vertentes dos hiatos que percebia nessas monografias. No inicio deste ano estivemos juntos numa dessas bancas.
Com a desmontagem estrutural dos departamentos de áreas de conhecimento da UFPA, no caso das Ciências Sociais (a Ciência Política, Sociologia e Antropologia) houve certo distanciamento dos colegas que mensalmente se encontravam nas reuniões administrativas dessas unidades. Mas uma vez ou outra nos falávamos pelos corredores dos pavilhões onde ele, como eu ultimamente, ministrava aulas para os alunos da graduação.
Estas palavras de reconhecimento eu estava devendo à memória de uma pessoa respeitosa e acima de tudo amada por seus alunos e alunas do que sou testemunha. Paz à alma do colega e condolências à sua companheira de sempre, Joseane Semblano e aos seus familiares.
Na mesma semana, outra perda sentida foi a do amigo médico Helio Titan, a quem conheci através de Pedro Veriano e dos constantes telefonemas e emails trocados. Seu interesse pelos conhecimentos de um modo geral extrapolava seu saber médico, unindo-se aos do seu “irmão”, como chamava o PV. Da science fiction às teorias mais avançadas da astronomia, passando pela cultura religiosa e pela visão histórica dos fatos científicos, a cada texto escrito para “O Liberal”, não deixava de encaminhar-nos, seus primeiros leitores. Gostava que lêssemos e opinássemos sobre as idéias que levantava. Às vezes eu discordava de alguns, motivando seus telefonemas à “boca da noite”.
Odisséia na trajetória vivenciada ultimamente foi reconfortada por seu “irmão” a quem ele ficou grato pelo apoio. Mas nem sempre se chega a conhecer o intimo das pessoas e isso foi talvez o que motivou a surpresa por seu falecimento, para nós, prematuro.

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