quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

UMA IDÉIA, UMA CÂMERA







Glauber Rocha dizia que para fazer cinema bastava uma idéia na cabeça e uma câmera na mão. Antes dele, o poeta e cineasta Jean Cocteau imaginava o cinema como uma caneta que servia ao poeta para “escrever imagens”. Hoje o automatismo que cerca uma filmagem, de um modo geral, leva a se considerar esses conceitos em um plano eminentemente físico. Uma câmera digital minúscula pode imprimir imagens sem que seja preciso usar película e/ou se entenda de fotografia. O assunto não só quer finalizar dois textos que escrevi anteriormente sobre o “fazer cinema” como a propósito do momento atual e do estreito relacionamento do cinema como a televisão. Os meios de expressão que antes eram considerados “inimigos”, com o segundo (a TV) tirando público do primeiro (o cinema), foi um passo para que fossem vistas as facilidades da técnica antes pensada muito mais como uma expressão poética.
Lembro que nos anos 1960, acompanhei Pedro Veriano filmando em 16mm histórias que imaginávamos pensando nas possibilidades que tínhamos de executar um tipo de tarefa. Tanto “O Vendedor de Pirulitos” (1961) como “Brinquedo Perdido” (1962) foram realizados em filme positivo, sem som, procurando editar (montagem) na hora da filmagem, tudo para dimensionar os cortes ao mínimo possível e manter um ritmo com o encadeamento dos planos.
Quem hoje usa filmadoras digitais pode imaginar a ginástica que era filmar sem saber como estavam sendo impressas as imagens. Claro que o cinema que se fazia era amador e, caso prestasse ou não o filme revelado era um ganho ou um prejuízo de menos conta. Mas o que fazia Libero Luxardo na área profissional, era um verdadeiro ato de heroísmo. Nesse tempo, o trabalho de revelação de película de amadores era quase todo elaborado no laboratório extremamente artesanal de Fernando Melo, fotógrafo dos filmes de Libero, que nos relatava a odisséia de filmar na ilha de Marajó, o longa “Marajó, Barreira do Mar”: os negativos rodados iam para o RJ e só se sabia se as seqüências ficavam boas quando o material retornava a Belém. Então era projetado um extrato de “copião”. Se o material se apresentasse insuficiente ou as imagens não tivessem a devida luminosidade, o ato de repetir era praticamente impensado. Por isso procurava-se filmar com um cuidado prévio, algumas vezes repetindo cenas, tudo para não se ter dor de cabeça com o que não podia sofrer “remendos”. Mesmo assim, Líbero teve problemas com a mixagem de “Marajó ....”, ou seja, com a introdução da trilha sonora gravada em fita no próprio filme (gravação ótica). Uma diferença de milímetros levou a um prejuízo considerável na readaptação do som em um rolo inteiro.
No documentário sobre as mulheres pescadoras na Baía do Sol, em Mosqueiro, trabalho dividido com Cristina Maneschy, encontramos as facilidades do “milagre” digital. Se a Hilma Bittencourt e o Mateus Otterloo, do CEPEPO, mantinham a devida atenção ao roteiro que escrevêramos, e a JosiLima alertava nossas “atrizes” para a hora da atuação, a atenção na técnica como no tempo em que contribuíam para a ação era menos traumática, com a captura veloz pela câmera da Hilma e com a montagem se fazendo depois, na escolha das imagens para a finalização. Mas impressionava ver a pequena máquina e ainda mais o resultado gravado.
Anualmente minha família (filhas, genros e dez netos) divide-se na produção de vídeos caseiros para exibição no reveillon. Este ano o meu grupo (Pedro, Manoel Teodoro,os netos Olavo e Ana Carolina e eu) ainda está na fase da busca por idéias, embora uma já se encaixe nas expectativas “O dia que Papai Noel Foi Preso”. Embora a técnica do roteiro se mantenha recorrente, a Paillard Bollex e o filme perfurado de 16 mm dão vez para uma câmera digital moderna. A edição possivelmente será feita em computador, usando-se os recursos de programas como o movie maker que tomou o lugar das antigas moviolas.
Mas cinema ainda não é a caneta de Cocteau. Para se ter uma idéia, com todo o automatismo, com um “storyboard” feito em um programa no micro, mesmo assim falta dosagem de planos, o ritmo só percebido quando o filme é exibido integralmente. Neste caso, entretanto, não se lamenta insucesso ou prejuízo como nos esforços com película, especialmente a de 35 mm. Refaz-se a edição cortando aqui e acolá até que o conjunto esteja de acordo com o roteirizado. No “caso de “O Palhaço,o Que é?...” foi muito difícil pois havia uma longa seqüência de colagem, ou seja, de planos obtidos de diversas fontes como uma colcha de retalhos da realidade atual. Para isso houve um outro meio de trabalho: a pesquisa de material registrado em multimídia. E com o cuidado de jogar com imagens de domínio público, assim como a trilha sonora.
Nos livros atuais de teoria do filme cita-se a “revolução” tecnológica e o seu efeito no cinema moderno. Reescreve-se a história contada a partir de Griffith. Mesmo assim, tudo é cinema. Como cinema é o que se faz para o vídeo, optando, preferencialmente, pelos planos próximos na idéia de que o material vai ser visto em tela pequena. Mas, quem disse que vai ser visto só em tela pequena? No mundo de datas-show e da TV widescreen, o enquadramento é um só: grande e retangular, como na tela remontada pelo cinemascope. O/a cineasta de hoje é feliz e não sabe.

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