quinta-feira, 25 de março de 2010

O LIVRO DE ELI














Algo mais do que um novo “blockbuster” de Hollywood, “O Livro de Eli” (The Book of Eli/EUA, 2010) destaca a última edição da Bíblia, ou “A Biblia do Rei George”, com base em uma série de metáforas. Focaliza um andarilho a percorrer uma terra devastada por uma guerra cujo inicio é desconhecido, assim como os combatentes e a ocorrência. Este homem de passos calmos, levando consigo uma mochila onde se encontram um pouco de água, carne de caça, e um livro encadernado, diz que seu objetivo é o oeste. Pelo caminho vê carros quebrados, um grande deserto e alguns núcleos populacionais onde se encontram pessoas rudes que se aproveitam do que restou de uma frota automobilística e de armas de fogo. Essas pessoas lutam entre si pela sobrevivência. Numa das povoações encontra-se um líder que se pode ver como o arquétipo do ditador, objetivando cada vez mais poder e sabedor de que um livro é o que falta para conseguir esse poder supremo. Justamente o livro que Eli (Denzel Washington), o andarilho, leva consigo.
O roteiro de Gary Whitta, um estreante na profissão, marca a volta dos irmãos Albert e Allen Hughes como diretores, ausentes da tela grande desde 2001, após a realização de “Do Inferno” (From Hell), uma visão plasticamente interessante da história de Jack o Estripador (deles também a série “Touching Evil” para TV).
Para colocar em cena todas as insinuações simbólicas da trama, inicialmente os Hughes usaram uma esmerada cenografia e, das imagens sombrias de Don Burgess, conseguiram não só o clima solene da história como a perfeita adequação do que é narrado sobre os acontecimentos. Valeram-se do trabalho dos cenógrafos Chris Buman-Mohr e Patrick Cassidy, criadores da terra pós-apocaliptica, a lembrar em superlativo o que se viu nos três filmes australianos de George Miller “Mad Max”. Procuraram colocar a narrativa como se fosse, realmente, um novo livro bíblico. Não à toa, portanto, o duplo sentido de O Livro de Eli.
O títere Carnegie (Gary Oldman) luta com o seu grupo pela posse do tal livro e ao obtê-lo depara-se com um fecho de metal que veda a escritura e, ao insistir, descobre-o escrito em braile (própria para os cegos). Como a companheira Claudia (Jennifer Beals) submetida à escrava é cega, ele pede que ela traduza o que está impresso. Esta se nega afirmando não reconhecer mais a escrita devido o tempo que foi tiranizada por Carnegie juntamente com a filha Solara (Mila Kunis), a seguidora de Eli quando este passa pelo povoado, primeiramente para seduzi-lo e mais tarde, tornando-se parceira na peregrinação pelo deserto.
O que emerge da narrativa passa pela ambição do poder, pela religiosidade com alusão a episódios do Velho Testamento e também do Novo (ao citar o Apocalipse de S. João) e pela necessidade da fé, além de uma postura de samurai que o personagem adota o tempo todo (o guerreiro japonês está a serviço de seu senhor, e Eli, a serviço de Deus).
O final do filme, com o personagem ditando o texto que decorou a um editor encontrado nas ruínas de uma grande cidade, marca, obviamente, a volta da civilização. Mas há uma nova postura. É uma mulher quem vai sair pelo mundo propagando a Fé. Ela usa um I-Pod, um rifle, e no último plano, está em posição acima da visão panorâmica da metrópole devastada. No caso, a nova Eva não levaria a maldição que resultou na sua expulsão do Éden. À Solara caberia o que coube a Noé depois de a arca ter aportado no fim do dilúvio.
Muito a ver em seqüências tão interessante no aspecto plástico quanto a que os Hughes mostraram na sua Londres de “Do Inferno”. Esses diretores começaram modestamente em “Perigo Para a Sociedade” (Manace II Society/1993) ganhando a confiança da critica. Bissextos por convicção conseguem realizar na era em que a grande estrela é o efeito especial, um filme como “O Livro de Eli” onde pouco se usa essa arma da cinestética. Não é um filme caro para os padrões norte-americanos e nem aposta no gosto fácil das platéias. Surpreende até quando mostra cenas de ação em planos abertos ou silhuetas. E sem perder a hegemonia do ritmo, a cadência do andarilho heróico.
Cotação: *** (Bom).

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