terça-feira, 2 de março de 2010

PRECIOSA- UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA























As lições do neo-realismo ainda podem contemplar narrativas do cinema contemporâneo. “Preciosa - Uma História De Esperança”(Precious/EUA,2009) enquadra-se na escola italiana dos anos de pós-guerra ao descobrir e lançar ao mundo as representações de tipos de anti-heróis num quadro deixado pela violência. Não à toa, portanto, que se vê nesse filme do diretor Lee Daniels uma seqüência de “Duas Mulheres” (La Cicciara/Itália, 1952) de Vittorio De Sica, sendo exibido na televisão. O currículo de iniciante aponta-o para o sofrível “Shadowboxer”, na direção, e o premiado “A Última Ceia”, como produtor.
O roteiro de “Preciosa”, foi extraído do romance “Push” (1956), de autoria da poeta Sapphires. O tema central aborda o dia-a-dia da adolescente Clairece Precious Jones, de 16 anos, com obesidade mórbida, maltratada pela mãe, violentada pelo pai. Desses episódios nasceu-lhe uma filha que ela chama de Mongo (devido a Síndrome de Down que a criança demonstra) e, no momento em que novos fatos sao evidenciados, se acha grávida de outro bebê.
A escola que freqüenta cujos padrões tradicionais revelam expertises variadas não valoriza o que a adolescente tem de melhor, assim, ela vai mal nos estudos, tanto por suas condições familiares como as de cunho social péssimas refletindo as atribulações de moradora de subúrbio sem infra-estrutura, com uma vizinhança marcante na desvalorização de seus atributos. Em casa, recebe diariamente demonstração de violência materna, e acha que a saída de seu drama, seguindo aconselhamento de uma assistente social da escola de onde foi expulsa, é matricular-se numa unidade de ensino alternativo, com valorização da arte dramática para o aprendizado que poderá afastá-la da solidão depressiva que vive. Mas há oposição em casa e nessa fase da vida conturbada de Claireece observa-se o “pomo da discórdia”: a possível perda dos recursos do governo que a mãe recebe para o sustento do neto especial. Consciente de sua situação, após o aconchego com a escola alternativa, dirigida por uma professora que acredita no seu talento, percebe que pode enfrentar os ditames maternos e seguir em frente junto às pessoas que a amam e não aquelas que só querem receber os recursos garantidos pela situação de miséria. Outros dramas emergem, mas a atitude da jovem, já com o segundo filho nos braços, demonstra que ela começou a adquirir capacidade de decidir seu destino.
Não conheço o texto original, mas é significativa a força do roteiro de Geoffrey Fletcher ao conseguir sobrepor a trama às armadilhas melodramáticas que sempre se aproximam. E deve-se muito aos intérpretes. Gabourey Sidibe (candidata ao Oscar de atriz e já premiada com o Globo de Ouro de filme dramático) que interpreta a personagem principal. Sem experiência em arte dramática, aluna de psicologia do Mercury College (NY) e com atividades em uma empresa telefônica, foi convidada para um teste visando o papel de “Preciosa”, ganhando fácil as demais concorrentes. Poucas vezes se vê um entrosamento tão grande de personagem com atriz. E vai ser difícil daqui por diante a jovem conseguir, em outro filme, dissipar a imagem da sofrida Claireece. O Oscar, no caso, será muito importante em sua carreira. E ela é a favorita.
O filme de baixo custo (produção independente, selecionada para a Mostra de Sundance), foi realizado quase todo nas ruas e num pequeno aposento de aspecto humilde. A linguagem não ousa sair de uma descrição do que acontece aos tipos. O “décor” endossa a condição desses tipos. São pessoas de cor, miseráveis, cada uma com uma história dramática guardada no intimo (e uma delas, a mãe de Precious, a também candidata ao Oscar Mo’Nique). Com uma fotografia poucas vezes clara, tentando na penumbra dimensionar o drama, os cortes obedecem a um esquema tradicional, os planos são dosados para não fugir de uma linha “documental”, e é assim que o diretor Lee Daniels , cuja experiência maior é a de ter produzido o premiado “A Última Ceia”(filme que deu o Oscar a Halle Berry), consegue transmitir o confronto existencial de pelo menos duas mulheres (mãe e filha) sem cair na pieguice. É um exemplo de cinema de baixo custo, realizado por minorias, que se eleva por sua qualidade intrínseca, sem liame com a grande indústria. E por garantir um desfecho de esperança.
Se Gabourey Sidibe ganhar o Oscar é de se saudar a Academia de Hollywood. Ela seria mais uma atriz negra a ter em mãos a estatueta dourada. E sem o glamour de quem saiu na frente (como Halle Berry). Minha atriz predileta nessa festa.
Cotação: Excelente (****)

Nenhum comentário:

Postar um comentário