terça-feira, 23 de março de 2010

UM SONHO POSSÍVEL





Michael Oher, craque do futebol norte-americano ganhou uma cinebiografia a partir do livro de Michael Lewis e do roteiro do diretor John Lee Hancock. Resultou no filme “The Blind Side”, que poderia ser traduzido como “O Lado Escondido”, mas por força da perspectiva comercial foi escolhido, pela produtora Warner, um título mais sedutor: “Um Sonho Possível”.
Oher (Quinton Aaron) era pobre e de etnia negra (na época de muito preconceito). Sua mãe era dependente de drogas e seu pai ausente. Em nove anos freqüentou onze escolas diferentes, passou por lares adotivos até os 17 anos. Certo dia, mal agasalhado para o frio congelante, ao circular pelas ruas de Memphis foi visto pela decoradora Leigh Anne Tuohy (Sandra Bullock) que sensibilizada levou-o para a sua casa. Fortes laços afetivos são criados entre eles e como o jovem tinha tino para o futebol isto chamou a atenção de Leigh, comungando com o marido e os filhos o bem tratar o jogador.
Não conheço o livro de Michael Lewis que subsidiou o filme, mas a realização não procura fugir aos estereótipos comuns em melodramas vulgares, jamais aprofundando na psicologia dos personagens e jamais tentando esclarecer motivos de certas ações. Em duas horas de projeção o espectador é convidado a suportar chavões diversos, muitas cenas de um jogo que é variação do rúgbi, chamado football. Aliás, para se ter idéia da diferença do nosso esporte conhecido por lá como soccer, o futebol americano recompensa a velocidade e a capacidade tática dos jogadores, além da força bruta onde se vê, no meio de campo, empurrões, bloqueios e perseguição entre as equipes, com o objetivo de fazer avançar a bola para o território inimigo em uma hora de jogo transformada em três ou quatro do tempo real. É nesse entorno que é colocado Oher sem explorar, por exemplo, que esse esporte é uma metáfora para a guerra, daí a violência pessoal que emana dentro de campo, o que não foi visto pela direção do filme. Fazer as analogias entre o primeiro tempo da vida do jogador e o atual ao ser adotado pela “família branca” não deixou de ser uma peleja, mas ainda assim, deu respaldo a que houvesse um rasgo de valorização de uma etnia pela outra.
Realmente é quase impossível suportar o filme de Hancock. Tudo o que vai acontecer é previsto, o rapaz enjeitado passa a ser o queridinho da casa, a madame que trabalha pintando tapetes com elogios das compradoras passa a entender de esporte por conta de sua propensão samaritana, e naturalmente tudo acaba muito bem.
O filme talvez nem chegasse aos cinemas brasileiros se não fosse o Oscar de melhor atriz à Sandra. Indevido, diga-se, pois seu desempenho está muito abaixo da comédia anterior exibida por aqui, “A Proposta”.
Sem culpar o esporte pouco popular nesta parte da América como um fator que podia levar “Um Sonho Possível” ao limbo de tantos filmes considerados pouco ou nada comerciais por seus temas, convém lembrar o recente “Invictus”, filme sobre um esporte pouco conhecido em território brasileiro, que conseguiu utilizar as metáforas como pedras de xadrez nas evidências da luta política empreendida por Nelson Mandela para a unificação de seu povo. Clint Eastwood na direção favoreceu o enfoque da batalha de uma pessoa no poder sobre a história secular do apartheid. Se Hancock exigiu uma “lição de beneficência” para explorar seu football, Eastwood demandou mais do que um campeonato de rugby focado, mas o papel do líder Nelson Mandela na política de seu país quando saiu da prisão e galgou o posto de presidente da república. O fato de formar um time com brancos ingleses extrapolou a questão do tipo de esporte. Ficou em primeiro plano a tolerância, a habilidade e, principalmente, a noção de que a África do Sul precisava de capital estrangeiro para se erguer de uma fase econômica difícil. Em “Um Sonho...”, o caso do enjeitado que se destaca por saber jogar foge de qualquer outra interpretação. É o que se vê. E o que se vê não diz quase nada.
Cotação: Fraco(*)

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