terça-feira, 21 de setembro de 2010

A CABEÇA DE MAMÃE



















O cinema francês só tem chegado por aqui através da embaixada. Os filmes exibidos no Cine Olympia numa programação da parceria FUMBEL/ACCPA cobrem a produção inédita desse país e evidenciam o que há de bom e tem sido negado aos paraenses por absoluta (falta de ) visão de mercado dos exibidores comerciais. O fato da carência de público para essas sessões demonstra fatores como a necessidade de divulgação mais agressiva da midia e visão esclarecida do público.

Em exibição ainda esta semana no Olympa está o interessantissimo “La Tête de Mamam”(2007), terceiro filme da cineasta Carine Tardieu e o quinto roteiro que escreve (com Michel Leclerc). O enfoque repousa em duas mulheres: a jovem Lulu (Chloé Coulloud) e sua mãe Juliette (Karin Viard). A primeira seqüência define o temperamento de Lulu (que detesta ser chamada pelo nome de batismo, Lucille), observando-a numa sessão de luta corporal com um colega de turma no curso secundário de uma escola nos arredores de Paris. Lulu não admite levar o pior na briga com um rapaz de sua idade. Ao perceber uma reação violenta dele ela abandona a cena e sai pelos fundos do plano.

Quanto a Juliette, é vista apática, caminhando para um banco no bosque de sua residência. A narrativa em off da filha reclama da indiferença materna, de como a mãe que poderia se considerar feliz no lar deixou de sorrir. Interroga sobre o que se passa na mente da mãe nas horas sentada no banco, absorta de qualquer tarefa exceto sua hipocondria, medicando-se para problemas intestinais.

O roteiro dedica-se à investigação que Lulu procede sobre a causa do comportamento materno. E isso se define após descobrir velhas fotografias no sotão da casa. Primeiro, uma foto da mãe vestida como uma havaiana, dançando. Depois um filme em Super-8 mm onde se vê Juliette de amores com um moço que a filha jamais viu.
Ressalte-se que o marido/pai, Antoine (Pascal Elbé), não demonstra nenhum ressentimento de sua vida com a esposa. É uma pessoa alegre, trabalha fora do lugar da residência e que está sempre presente nas reuniões festivas de familiares. Então, indaga Lulu, quem foi o namorado da mãe? Como ela terminou o namoro? Onde esse personagem se encontra? A partir daí a investigação inicia, acumpliciando-se com uma amiga para destrinchar a trama da vida passsada da mãe. Ela entende que este será o remédio para a depressão em que Juliette se encontra.

A partir de algumas perguntas à avó descobre o autoritarismo a que foi submetida a mãe, em termos de profissão e afeto. A indicação da cidade de origem, de uma fazenda das redondezas, de conversas com o dono do lugar leva-a a Jacques, então veterinário. Esses dados conseguem desvendar a trama, chegando ao personagem, hoje um homem de meia-idade despojado da imagem de galã do filme que viu.
Planeja o reencontro dos velhos namorados, consegue juntá-los, mas um novo problema chega junto que é a gravidade de uma doença de Juliette. A alegria de achar o antigo amor é por pouco tempo.

O modo de narrar é bastante inventivo. Em um momento a câmera passa em um travelling de um lugar a outro como se esses espaços fossem contíguos. É uma forma de rimar um detalhe sem usar cortinas ou fusões. Mas nos momentos finais é que está bem sintetizado o talento da diretora Carine Tardieu. A câmera focaliza Juliette doente em superexposição. Mesmo claudicante, apoiando-se no corrimão, ela desce uma escada (driblando a idéia de quem está vendo o filme, que aposta em sua queda) e caminha para onde está Lulu, próxima ao banco. No encontro, a tonalidade da imagem volta ao normal. O terno abraço de mãe e filha, significativo agradecimento pelo que seriam os “últimos momentos felizes” da primeira, é focalizado em close decolando a câmera em plongée até que as duas mulheres se tornem pequenos pontos no centro do plano. Desse ângulo passa-se, em fusão, para o céu estrelado como se elas fossem absorvidas por um símbolo de poesia.

“A Cabeça de Mamãe”é um belo exemplo de cinema simples e bem trabalhado, um filme muito melhor do que tantos que recebem honrarias em festivais.

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