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terça-feira, 7 de setembro de 2010
NOSSO LAR
Ficar entre o conteúdo escrito e a realização de um filme é sempre o prognóstico de quem trata de duas linguagens na arte cinematográfica. No caso do conteúdo, quando o espectador do cinema já tomou conhecimento da abordagem e ficou muito empolgado com o assunto, às vezes quer ver nas imagens a reprodução do relato similar ao que já conhece. Assim, re-conhece com maior facilidade, através das imagens, o que só absorveu da leitura do livro. A narrativa cinematográfica tem outro instrumental, inserindo-se a criatividade do realizador com base em uma estética que irá de-gravar em imagens o que já absorveu do assunto a ser explorado. Nesse caso, nem sempre há sintonia entre as duas leituras e isso, às vezes, é capaz de chocar o público quando lê a opinião crítica sobre um filme.
Em “Nosso Lar” (Brasil, 2010) esse conflito pode parecer desnecessário para os que se atém aos fatos que o filme explora. Aos que têm como função privilegiar a dimensão estética formatando a narrativa em imagens a partir do conteúdo há fragilidade na realização do filme. Adaptado da obra homônima psicografada por Chico Xavier de relatos do espírito do médico André Luiz, aborda a maneira como este, após a morte, encontra um lado desconhecido da vida que o arrebata para o mundo de penas e humilhações, ai permanecendo até reconhecer que precisa da ajuda de alguém e clama a Deus para modificar o quadro de sofrimentos a que está sendo submetido. Segue-se uma nova fase, de peregrinação assistida por pessoas com várias funções, em um lugar de luz, que o levam a rever atitudes e valores aprendidos na vida corporea na Terra revelando-lhe a necessária reforma íntima.
À medida que encontra algumas explicações para o que está vivendo, André Luiz vai se aperfeiçoando espiritualmente e conseguindo alcançar alguns objetivos almejados como o de poder ver seus familiares de quem sente saudades. Há mudanças e ganhos pessoais redefinindo os valores aprendidos que determinam a sorte do verdadeiro cristão na Terra e que ele deixou de praticar.
O enfoque sobre essa nova vida do personagem André Luiz é uma das diretrizes dos seguidores da doutrina de Alan Kardec. Se outras religiões também dizem que há uma vida extracorpórea, os espíritas explicam que esse plano é de novas atividades, dando continuidade ao anterior vivido pelo ser humano no planeta Terra. A perspectiva de uma passagem do Evengelho Segundo São João (cap. XIV, v. 1 a 3) de que “há muitas moradas na Casa do Pai” garante à doutrina a teoria dos mundos habitados no universo e a consequente perspectiva do seguimento desta vida após o que é comumente chamado “morte do corpo” que simplesmente liberta o espírito. Com isso, os espíritas evidenciam uma cosmogonia e visão de mundo específica considerando uma classificação geral desses mundos com graduações, segundo Allan Kardec, baseado nos espíritos superiores: mundos primitivos, mundos de expiação e provas, mundos regeneradores, mundos felizes e mundos celestes ou divinos. O primeiro e o segundo são parte da vida terrena (reencarnação e vida corpórea em expiação ou cumprindo um plano especial). O terceiro será o momento em que o espírito está em trânsito para os dois outros mundos onde predomina a ideia do bem e da purificação espiritual.
O corpo doutrinal do espiritismo converge para um processo de explicação da origem do princípio do universo, ou seja, uma cosmogênese, que é do conhecimento dos adeptos dessa religião e que não é ampliada para toda a sociedade por vários fatores, entre os quais a imposição do catolicismo, por muito tempo, como religião oficial do estado e consequente preconceito contra as demais religiões existentes no mundo, tendentes a ter sua cosmovisão própria.
O que é possivel verificar na narrativa explorada pelo diretor Wagner Assis em “Nosso Lar” é um estreitamento dessa perspectiva de mundo. Procurando descrever linearmente os fatos vividos pelo médico André Luiz, deixou para trás a possibilidade de enriquecer o conhecimento de quem vai assistir ao filme sobre essa dimensão tratada pela doutrina espírita, criando uma confusão generalizada sobre o processo da morte e regeneração do espírito. O uso de outra métrica para circunstanciar os fatos subvertendo os cenários do olhar de André Luiz para um “décor” criado sem ater-se ao conteúdo pd, daria a dimensão que outros filmes têm explorado sobre a memória ou, mesmo, sobre a vida extracorpórea. Sequencias coincidentes (a visão do tipo sobre sua familia reunida, no final, por ex.), a direção de arte (agregando paineis díspares), a estrutura dos personagens (sem estudo dos tipos) tendem a esquematizar o sistema narrativo fragilizando-o e confundindo mesmo aqueles que já conhecem o livro. Volto ao assunto.
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