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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
MINHAS MÃES E MEU PAI
Há algum tempo as mudanças no paradígma das ciências sociais trouxeram, entre outras, a do tipo de familia existente na sociedade. A composição do casamento clássico impunha a representação legal das relações entre um homem, uma mulher e filhos/as. A familia ampliada ou (além do casal e filhos, havia também a presença de parentes colaterais) foi dando lugar à familia nuclear (pai, mãe e filhos/as), mas sempre com a concepção que se tinha a partir do casamento hetero clássico. Hoje, a dimensão das mudanças abrange novos atores e nova conformação social. A inserção de um casal necessariamente não é prescrita pelo condicionante da heterossexualidade, mas o formato familiar pode ser de várias maneiras. Os/as avós e os netos, a tia e os sobrinhos, a mãe e os filhos são considerados hoje um grupo familiar. A nova orientação sexual também reproduz um movimento de mudança. Duas mulheres ou dois homens que se amam e resolvem viver juntos adotando ou procriando filhos/as se tornou um novo tipo de familia.
Nesse novo olhar, é respaldado o filme “Minhas Mães E Meu Pai” (The Kids Are All Right, EUA, 2010, 101 min.) apresentando uma família composta por Nic (Anette Benning), Jules (Julianne Moore), Joni (Mia Wasikowska) e Laser(Josh Hutcherson). As duas primeiras são mães dos dois últimos. E explica-se: juntas há muitos anos e desejosas de ter filhos, submetem-se à inseminação artificial, cada uma tendo uma criança e ambas do mesmo pai, ou seja, do esperma conseguido em banco especifico. Quando Joni está para entrar na universidade, ela e o irmão decidem procurar o pai biológico. Descobrem a identidade do doador através do banco que forneceu o sêmen e este aceita o encontro. Paul (Mark Ruffalo) se enternece em saber dos filhos. Ao tempo em que se fazem conhecidos dele, aproximam a família e desse contato associam o pai a uma das mães que trabalha com paisagismo. Isto acarreta um estremecimento na amizade das duas mulheres. O novo relacionamento chega a abalar a estável união das duas mulheres, mas a renúncia se dá em nome de uma estabilidade afetiva.
O argumento trata o homossexualismo com uma sensibilidade incomum. Nada é caricato ou tenta enaltecer padrões. O que importa é como os filhos vêem, ou passam a ver seus genitores (não só as mães).
A narrativa não alça vôo além de uma concepção acadêmica que facilita a abordagem da história por qualquer tipo de platéia. A diretora se esmera na construção dos tipos e no desempenho dos intérpretes. Annette Benning está em seu melhor momento no cinema, sem desmerecer o esforço de Juliane Moore. Mark Ruffalo sempre colocado em papéis secundários, vem promovendo sua versatilidade em bons desempenhos em comédias românticas, em dramas e/ ou aventuras. A direção é de Lisa Cholotenko, também autora do roteiro.
Como se vê a partir do prólogo deste texto, a relação intrafamiliar expressa no filme revela-se diferenciada da tradicional. O filme ganha uma ótica em que se vislumbra primeiro o completo entrosamento de mães-pais e filhos, sendo possivel, de inicio, avaliar uma situação de comando de uma delas sobre os demais. Em seguida, vê-se a emoção de um encontro (saber quem e como é o pai), depois a noção de que isso gera um incômodo, ou uma quebra da estabilidade no lar. E a abordagem segue caminhos delicados como a sexualidade dos jovens. Joni querer saber se é hetero e não homo como a mãe (ilustrativo o momento em que beija um colega numa festa de escola sem nenhuma conversa prévia). E o caçula Laser também às voltas com as amizades de seu tempo, um dos amigos remexendo as gavetas das mães e encontrando um vídeo erótico de figuras masculinas, além de experimentar o uso de drogas. Esses comportamentos levam as duas mulheres a questionarem as suas posições como educadoras da prole. E consideram principalmente a união entre eles.
Impossivel deixar de analisar a atitude das personagens femininas onde está definida a caracteristica da chefia e da submissão, papéis tradicionais que marcam as normas sociais de casamentos heteros. O “esperma” terá que ser banido sob pena de a “nova familia” desaparecer. Autoritarismos, visão estreita e ausência da idéia de diversidade se mesclam e transformam a relação em imposição e perdas. E assim o filme fica exposto a uma interessantissima reflexão sobre os relacionamentos humanos e à diversidade sexual.
Lisa Cholodenko roteirista e diretora estudou cinema na Universidade de Columbia apresentando um curta-metragem premiado no fim do curso: “Dinner Party”(1997). O curta ”High Art”(1998) ganhou prêmio no Festival de Sundance, sendo ambos exibidos em Cannes. A diretora, de 46 anos, também possui no currículo vários episódios de séries de TV. É um nome a observar. E agora, com a indicação de um seu filme a 4 Oscars (filme, atriz, ator coadjuvante e roteiro original), certamente vai ser notada pelos produtores da grande indústria.
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Gosto quando o cinema aborda esses temas, ainda que de forma leve, como neste filme. Achei ótimo o fato de não vermos aquela velha caricatura mal feita dos relacionamentos homossexuais femininos. Além disso, as posturas das duas rendem uma boa discussão sobre gênero, hein professora?
ResponderExcluirUm abraço,
Rayza Sarmento.