Quem leu os
livros e/ou assistiu aos filmes antigos de aventuras de Sherlock Holmes, o
detetive inglês imaginado por Sir Conan Doyle, pergunta-se, ao ver essas novas
versões para cinema do herói clássico, se vale a liberdade tomada com o tipo e
as intrigas mirabolantes. A iniciar-se pelo tipo. Ninguém concebe um Sherlock
Holmes sem o corpo esguio, a capa de tecido quadriculado, o boné do mesmo tecido,
a lupa que empregava ao pesquisar as pistas deixadas pelos criminosos e o poder
de dedução que o fazia desvendar intricados mistérios. Nada disso existe no atual
personagem vivido pelo ator Robert Downey Jr. em “Sherlock Holmes”(2009) e
“Sherlock Holmes e o Jogo das Sombras”(Sherlock Holmes: A Game of
Shadows/2011). Além de a forma física diferir radicalmente, o novo detetive é
ágil como herói de quadrinhos da Marvel, bom de briga, desafiador de perigos
dignos dos seriados de aventuras (os antigos e os de TV) e apenas radicaliza
uma postura que antes se viu de forma preconceituosa como tendência homossexual
(nunca explicita na literatura).
No novo
filme de Guy Ritchie, cineasta inglês que foi marido da cantora e atriz Madonna
e realizou pelo menos um filme premiado, “Snatch, Porcos e Diamantes”(2000), Holmes
vai atrás de seu arquiinimigo o professor Moriaty (Jared Harris) que deseja um
conflito entre Alemanha & aliados com o grupo formado pela Grã Bretanha e
França (principalmente). A ação não chega a 1914, mas abre espaço para o que se
deu naquele ano quando o arquiduque Francisco Fernando foi assassinado, junto
com a esposa, pelo sérvio Gavrilo Pincip dando inicio à 1ª Guerra Mundial.
A
aventura que cerca o processo de investigação dá direito a acrobacias em trens
que percorrem pontes e abismos e até alguns números de artes marciais. Seria
esta a forma que os roteiristas Kieren e Michele Mulroney (ele ator de cerca de
38 filmes, incluindo-se teleplays e tele séries) acharam melhor para o filme
agradar aos jovens espectadores alcançando essa faixa etária. Em outras
palavras, seria deixar Holmes mais próximo de Bond (James/007), ou de algum
outro super-herói de trânsito livre nos quadrinhos e games.
A
narração de Ritchie é um dínamo, com profusão de cortes, predileção por planos
próximos, aproveitamento das sombras como forma de lembrar o investigador
inglês. E é bem inglês na fala, arrastando silabas como a lembrar que apesar do
tipo atlético o “mocinho”é mesmo o criado por Conan Doyle. Mas não convence.
Esta
narrativa, contudo, torna o filme atraente para uma certa ala. Lembra Richard
Lester da fase dos Beatles. Para divertir ainda mais o espectador deve esquecer
o soturno detetive de historias, a exemplo, “O Cão dos Baskerville”. Mas não é
inédita a licença cinematográfica sobre o personagem. Billy Wilder não só usou
um Holmes atípico como colocou na trama de “A Vida Intima de Sherlock Holmes”
(The Private Life of Sherlock Holmes/UK,EUA,1970) um submarino na época da
Rainha Vitória a ser confundido com o lendário Monstro do Lago Ness.
Persistente
é a relação de Holmes com o amigo médico John Watson. A amizade, nos livros,
usa-a como escada para a ironia do detetive e o sucesso de suas deduções, num
diálogo primoroso. Mas sempre deixou margem a um elo intimo. Qual a natureza do
afeto entre os dois? No filme de Ritchie, o de agora (em cartaz nos cinemas
brasileiros), há uma seqüência de Holmes travestido (para se refugiar de
bandidos) e a sabotagem que ele produz no casamento de Watson, atirando a
esposa deste (logo depois do casamento) da porta do trem em movimento para o
rio (onde seria “pescada” pelo irmão dele, Mucroft Holmes, interpretado por
Stephen Fry). Este e outros detalhes são inseridos para dar um toque de
comicidade à trama. O objetivo, afinal, é entretenimento. Esquecendo a
literatura criada por Conan Doyle e, no cinema, o protagonismo do veterano ator
Basil Rathbone(o Holmes clássico do cinema), esta sequência de aventuras com o
detetive inglês pode até dar certo. A mim, não. Acostumada desde criança a essa
literatura de suspense e de detetives clássicos (Edgard Allan Poe, Agatha
Christie, Raymond Chandler, George Simennon, Ellery Quinn, Dashiel Hamett etc)
e tendo em Sherlock Holmes o meu preferido, não concebo esse malabarismo
coreográfico do atual tipo para atrair público. Clássico é clássico e a
estatura desse conceito deve remeter ao respeito do cinema aos tipos
concebidos. No filme anterior as evidências de modernização da figura até que
deixavam em paz uma certa traquilidade na concepção, mas neste, apesar de conveniente
(no meu modo de olhar o público, digo) me deixa insensível. Não foi o meu
detetive inglês que vi no filme de Ritchie.
Adorei sua crítica, mama!
ResponderExcluirQuerida, quando quizer ler um texto meu é só acessar o blog. Tenho dito. Beijos
Excluir