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terça-feira, 2 de novembro de 2010
A SUPREMA FELICIDADE
É de Arnaldo Jabor, o filme cujo titulo encima este texto. Realizado 20 anos após ter assinado seu último trabalho para o cinema – o curta-metragem “Carnaval” (1990), “A Suprema Felicidade” (Brasil, 2010) explora a visão memorialistica do autor sobre a infância, adolescência e juventude do personagem Paulo (interpretado pelos atores: Caio Manhente, Michel Joelsas e Jayme Matarazzo, nas tres fases, respectivamente), a partir da trama pós-bélica de 1945 onde convive com os pais, avós, colegas de colégio, iniciação sexual, processo que sem dúvida marcou a sua história de vida.
Numa narrativa não linear, Jabor divide seu filme em três atos – o primeiro a partir da infância do garoto, o segundo na adolescência e o terceiro na juventude – entrecruzando as experiências familiares do apogeu e queda profissional de seu pai (Dan Stulbach) à domesticidade e aceitação da cultura tradicional feminina da mãe (Mariana Lima). Mostra, também, o amor e a morte do relacionamento afetivo destes, a convivência entre os colegas no colegio católico, a proximidade com o avô (Marco Nanini), secundando estranhamentos, questionamentos e visões românticas sobre sexo, mulheres e nascimento do primeiro amor.
Esse é o tom das imagens que povoam as reminiscencias do autor sobre as tres fases, explorando outros personagens que se incluem nessas lembranças e pontuam a narrativa com evidência para os tipos caricaturados no estilo cômico. Nesse teor está a figura de um pipoqueiro (João Miguel) que pelo visto inicia a fase de estranhamento debochado ao contar as suas aventuras com as mulheres, sempre usando termos preconceituosos e palavras chulas, com isso quebrando a inocência dos garotos. Os musicais de Hollywood, as aventuras noturnas na Lapa, o olhar sobre as prostitutas (a maioria dos tipos femininos expostos) perfazem aquele ambiente que à vista do espectador parece conturbado.
Sem dúvida um filme a la “Amarcord” em que os personagens fellinianos distribuiam-se entre as imagens lembradas pelo garoto de Rimini – contendas familiares, iniciação sexual, vida social e política e trânsito nas instituições responsáveis pela educação infanto-juvenil – exige uma certa narrativa que poderia ser a que instiga Jabor a usar – a não linearidade dos episódios. Sabe-se que no processo de re-memória as lembranças dos objetos da consciência humana saltam avulsas, disssociadas, singulares, exageradas e nem sempre são mantidas na sua temporalidade.
Se foi este o projeto do argumento para que o cineasta construisse sua visão supostamente crítica à formação do garoto brasileiro pós-guerra, ele sucumbiu ao ser transformado em roteiro e na execução do filme.
Os fragmentos, entrecortados de seqüência de antigos cine-jornais, querem fazer a conta desse processo aleatório, de flashes da memória. Mas a narrativa não se faz em primeira pessoa, ou seja, Paulo não é o narrador da história. Fica a impressão de que a fragmentação, de autoria do roteirista-diretor, é um meio de expressar que ele usa atentando para um caminho poético. Infelizmente o necessário lirismo nunca é encontrado. O acúmulo de acentos dramáticos chega a ironizar o que Noel diz (reproduzido pelo avô de Paulo) sobre o momento de felicidade que sentiu numa parada de ônibus (“foi uns dez minutos; depois passou”).
E o filme não se constrói (ou desconstrói) só nisso. Atores e enquadramentos denunciam uma linguagem teatral, como no plano médio em que os pais de Paulo discutem sem que a câmera se mova e eles, vistos de corpo inteiro, tentem ocupar a dimensão do quadro. Sobre os atores, só Marco Nannini mostra-se excelente, mesmo num tipo esquemático. Falas forçadas mantém estereótipos que vão do casal em crise, às prostitutas e seus cafetões, aos adolescentes que buscam o sexo (e um deles descobrindo a homossexualidade), dos sacerdotes ríspidos, enfim, do universo construído com velhas tintas como se assim se conseguisse, por parte do público, o efeito mimético que se viu na matriz felliniana.
Jabor mostrou-se sem a prática adquirida no passado mesmo que se reprovem os excessos de “Eu Te Amo” e “Eu Sei que Vou te Amar”. Neste “rentrée” ele está longe do seu “Toda Nudez Será Castigada” e principalmente, em “Tudo Bem” onde, ai sim, conseguiu agarrar a poesia na pintura dos velhos às voltas com os seus queridos fantasmas.
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