quarta-feira, 10 de novembro de 2010

TERRA DEU, TERRA COME


















O cineasta Rodrigo Siqueira foi o vencedor do prêmio de melhor longa-metragem e de melhor diretor do Amazonia Doc 2 - Festival Pan-Amazônico de Cinema, com o filme “Terra Deu,Terra Come” (Brasil, 2010, 88 min.). Não assisti a maioria dos filmes exibidos nesse Festival, mas vi o trabalho do jovem mineiro e me entusiasmou.

No interior de Minas, mais precisamente no Quartel de Indaiá, distrito de Diamantina, o cineasta pesquisou a cultura popular de uma comunidade que andou pelas páginas de Guimarães Rosa. Na região encontrou um nativo, filho de escravos, chamado Pedro de Alexina. Bem extrovertido, o idoso interiorano (80 anos) é um dos últimos a tratar com propriedade de vissungos e a falar o dialeto “banquela” antes usado pelos garimpeiros de ouro e diamante, especialmente nos funerais. E é um funeral que serve de base ao documentário. Morre um homem centenário do lugar, o sr. João Batista (120 anos), e enquanto o corpo enrijece (supondo-se a expectativa da morte real) realiza-se uma série de manifestações que vão de cantigas e danças até rezas e encenações. Esta celebração é narrada por “seu” Pedro, que aproveita para contar a história de seus ancestrais.

O filme não se limita a um tipo de manifestação folclórica. Ele estabelece o contraponto com um tipo de vida de uma comunidade e o que se conhece como cultura popular. Entrevistando um comerciante branco, sabe-se do preconceito que ainda mostra raízes. Este fala que “muitas terras dali foram de seu avô”, que tudo vendeu. E reclama da emancipação da gente de cor.

Mas o que impressiona é a felicidade com que o diretor conseguiu registrar: as pessoas, o cenário e o tempo, dimensões que bem transpostas para o cinema ganham o parâmetro do que o escritor mineiro (Guimarães Rosa) expôs em literatura. Ali está o “fim de mundo” para os ditos civilizados. E o que Rodrigo Siqueira fez foi trabalhar esse material no roteiro de forma que o conjunto, de aparência tão real, não pressinta o que existe de ficção, ganhando a idéia de uma tele-reportagem de grande importância antropológica.

A fala de “seu”Pedro é sempre alegre, mesmo em se tratando do funeral de um velho amigo. Ele é o cicerone de um lugar e ao mesmo tempo o contador de histórias, o sobrevivente de uma época que dá um depoimento precioso difícil de conseguir por outros meios. Pode-se chamá-lo de um corifeu no que foi captado pela câmera de Rodrigo Siqueira.

Com uma fotografia excelente a desafiar as circunstâncias de filmagem e uma edição (do próprio diretor) que joga bem as seqüências no contexto, “Terra Deu, Terra Come” sensibiliza nas andanças da câmera pelo claro-escuro do terreiro onde o defunto espera a sua vez, sendo reverenciado por seus companheiros. Se algumas das manifestações de despedida fogem ao critério que se julga inserto no ritual “Seu” Pedro logo revela o que significa.

O filme vem recebendo prêmios por onde é apresentado. Por aqui acrescentou mais um a seu currículo. Parabéns aos jurados que souberam valorizar um titulo marcante na historia do documentário brasileiro.

Outro premiado, este no setor de curta-metragem, foi o filme paraense “Mãos de Outubro” de Vitor Souza Lima. Ele conseguiu impor a sua qualidade em um programa de grande concorrência. O tema pode ser resumido no que disse o diretor: “Por que as pessoas esticam as mãos para o céu, em diversas religiões? Por que essa sensação de poder por meio das mãos, vista nos gestos de curandeiros a padres? (...) Como o material e o espiritual podem estar tão fortemente presentes em uma só parte do corpo, mesmo que ajamos de forma inconsciente?” São perguntas que Vitor Souza Lima deixa nas imagens que encantaram os jurados do Amazonia Doc2 especialmente pela montagem dinâmica. É um quadro da maior festa religiosa dos paraenses.

O documentário paraense a receber menção honrosa foi “Camisa de Onze Varas”, de Walério Duarte que enfoca o trabalho escravo no Pará, captando a trajetória de homens recrutados pelos “gatos” em 1974 para uma fazenda do interior. Outra menção foi a “Carregadoras de sonhos”, do alagoano Deivison Fiúza sobre o um dia de trabalho de quatro professoras sergipanas.

Um grande público prestigiou as exibições e debates do Amazonia Doc2. Os melhores filmes vão ganhar reprises nas telas do Cine Olimpia e Libero Luxardo.

2 comentários:

  1. Luzia, parabéns pelo blog.
    Conhece o meu? Apareça.

    www.ofalcaomaltes.blogspot.com

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  2. Luzia, parabéns pelo blog!
    Conhece o meu?

    www.ofalcaomaltes.blogspot.com

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