terça-feira, 9 de novembro de 2010

UM PARTO DE VIAGEM



Uma comédia tem elementos permanentes, dinâmicos e críticos. Esse gênero tende a ser usado nas representações artísticas como o teatro, o cinema, recorrendo ao humor. Na Grécia, o teatro grego era representado por duas máscaras: a da tragédia e a da comédia, diferençadas por Aristóteles (em sua Arte Poética) ao considerar que enquanto a primeira trata em essencial de homens superiores (heróis), a última explora ações sobre homens inferiores, quer dizer, sobre pessoas comuns da cidade (polis).

A meu ver, os elementos permanentes são aqueles traços da ação que recorre ao humor cuja dinâmica expressa-se nos ambientes dos quais captura os efeitos para criticar.
Assim, uma boa comédia é aquela que explora esses ajustes favorecendo a sintonia com o humor do público presente ao espetáculo que assiste e que vai observar quais as críticas que pode extrair do que viu. Uma comédia, portanto, não é a desqualificação de um tema pelo riso, mas o sentido que este vai ter e que promove a observação sobre o que é criticado.

“Um Parto de Viagem”(Due Date/EUA,2010) tem estas características. A preferência do diretor Tod Phillips valoriza a misoginia e a sua preocupação central é aproximar os estranhos tornando-os “brothers”, no final, a partir de situações convividas que repercutem no rearranjo das idéias e da cultura já condicionada sobre as coisas. Vê-se que isso está bem trabalhado nesse filme assemelhando-se ao anterior,”Se Beber Não Case” (2008).

Assim, os personagens são homens (pessoas comum, para Aristóteles) que se metem em problemas às vezes impossíveis de reconhecer onde e como chegaram a tal ponto, e procuram refazer suas atitudes em função de reaver o plano original de suas vidas. As mulheres são coadjuvantes, quase sempre mostradas na acepção do modelo feminino tradicional, ou na expectativa do casamento (“Se Beber....”) ou do parto (“Um parto...). Prefigura-se um processo para a reversão dos problemas, o “nonsense” é pertinente e aqueles absurdos que contemplam as primeiras linhas da ligação entre os desconhecidos se tornam uma convivência memorável da aventura solidária.

Em “Um Parto de Viagem”, o arquiteto Peter Highman(Robert Downey Jr) está na expectativa do nascimento do primeiro filho. Espera estar na hora em casa, pois está a serviço em Atlanta e o nascimento será em Los Angeles, precisando chegar ao aeroporto para não perder o momento. Ao descer do taxi, esbarra em um cara que sai rapidamente do lugar deixando uma mala que é tomada pela de Peter. Essa é a oportunidade que vê o atrapalhado candidato a ator de TV Ethan Tremblay (Zach Galifianakis) para aproximar-se do arquiteto.

A partir daí inicia-se uma série de situações desastrosas a começar com a tal troca de malas e o fato de Ethan portar drogas. Impedido de viajar de avião, o arquiteto tem que chegar a LA de carro. Mas na sua bagagem estavam seus documentos e dinheiro. Resta aceitar o convite de Ethan, e a jornada de carro ganha momentos inusitados. A começar pelo fato do ator levar as cinzas do pai, recém-falecido, numa lata de café.

A idéia era jogar essas cinzas no Grand Canyon, mas aí seria alongar a viagem.
O ator Zach Galifianakis revelou-se em “Se Beber Não Case”. É desses interpretes que explora sua máscara, para fazer rir, alimentando um tipo excêntrico que se vale de uma eficiente expressão visual. Em “Um Parto de Viagem” ele atormenta o amigo de ultima hora que pretende não considerá-lo amigo, chegando até a deixá-lo, numa oportunidade, em uma das muitas paradas da estrada (e logo se arrepende quando vê que levou consigo as cinzas do pai de Ethan).

O filme detém-se em duas variáveis: a pressa de Peter para chegar a tempo de assistir ao parto de Sarah e as intervenções de Ethan, uma delas expondo dúvida sobre a paternidade da criança a nascer depois que conhece Darryk (Jamie Foxx) um colega de adolescência da futura mãe e uma foto onde ambos estavam juntos. O argumento serve para destruir as certezas do companheiro de viagem.

O roteiro expõe vários momentos hilariantes: um deles é o café feito das cinzas do morto. Outra é o resgate que Ethan faz de Peter na fronteira do México quando os dois personagens são detidos por falta de documentos (e eles haviam errado caminho). Nesta seqüência há uma alusão à imigração ilegal, via de regra uma atitude norte-americana (e os mexicanos da ocasião riem do efeito contrário embora acabem a cena fumando a maconha que estava no carro dos gringos).

Todd Phillips, o diretor e co-roteirista, não chega bisar o efeito de “Se Beber não Case”(Hangover). Até porque, na sua premiada comédia anterior, ele imprimia aspectos surrealistas que a tornaram original a ponto de merecer um Globo de Ouro e outros prêmios. Mesmo assim, o novo filme é muito interessante e divertido. Roberto Downey Jr mostra mais uma vez o seu talento em qualquer gênero, e aqui brincando com o seu próprio passado de consumidor de tóxicos.

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