segunda-feira, 2 de novembro de 2009

ANTICRISTO








Lars Von Triers é um cineasta dinamarquês cultuado internacionalmente. Depois de mostrar ao mundo um filme de linguagem linear, mas de forte apelo emocional, “Europa” (Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 1991), ele enveredou pelo experimentalismo propondo uma nova forma de fazer cinema que chamou de Dogma 97. Consistia em abdicar de tudo o que se constituiu até agora como gramática fílmica. Não haveria uma edição (montagem) tradicional, os atores não usariam maquilagem, não haveria um roteiro escrito, não usaria luz artificial, nem dublagem (sempre o som direto). Em tese seria uma outra concepção de cinema com a arte cinematográfica despida de artifícios e se mostraria “pura”.
“Dançando no Escuro”, “Dogville” e “Manderlay” foram os seus títulos no Dogma mais aplaudidos.
Em 2007 o diretor entrou em uma séria depressão. Procurou reagir e, em 2008 realizou “Anticristo” ora em cartaz no programa Moviecom Arte (Sala 4 do circuito Moviecom no shopping Castanheira em apenas um horário diário).
O argumento trata de um casal que poderia significar os novos Adão e Eva, expulsos do paraíso e guinados a justificar o fim dos tempos depois da (longa) estada no mundo (dai o titulo), vive o processo de destruição como se persistissem no pecado.
A primeira seqüência é de sexo explicito entre Ele (Willem Dafoe) e Ela (Charlotte Gainsburg). Não há nomes para os personagens posto que arquétipos de uma concepção da humanidade. Nessa hora, o filho deles, na fase de aprender a andar, caminha para a janela do prédio onde mora e se atira para a morte. A mãe entra em desespero, é levada para o hospital, mas o marido, um terapeuta, resolve tirá-la de lá e tratá-la pessoalmente numa cabana isolada num bosque. Ali acontece o lento processo de transformação desses tipos. Ela, principalmente, exibe crises de fúria entre espasmos de afeto e sexo. Mutila o parceiro e se mutila sexualmente (um plano próximo que lembra o olho rasgado pela navalha em “Um Cão Andaluz” de Buñuel). No final ele consegue se erguer de uma mutilação nada realista.
As primeiras tomadas, evidenciando “o fascínio da carne”, são em preto e branco (seria uma forma de mostrar o resquício do pecado original). Depois, planos próximos detalhando violência querem indicar a animalização das pessoas ditas civilizadas. Não é uma simples paixão, um espasmo de dor materna pela perda do filho único: é um fim de mundo visto pelas criaturas mais evoluídas, sintetizando no homem e na mulher as bestas descritas no último livro do Novo Testamento (o modo como o roteiro mexe com os textos sagrados é absolutamente pessoal, produto da agonia que sente o autor).
Trata-se de um filme apaixonado na forma e no conteúdo. Mas é difícil de ser absorvido. A métrica tradicional se espedaça. As seqüências se alongam, há predominância de “closes”, a porfia pelo bizarro é constante, a iluminação jamais deixa brecha para muita luz, o “décor” (floresta, cabana) incita o isolamento na linha do casal primitivo que é expulso do Éden.
A questão não é “gostar ou não gostar”. É avaliar o que é traduzido em imagens por um diretor que rompe com os tradicionais modelos-padrão de cinema e procura fazer desmoronar as verdades já postas. Há filmes em que a visualização da loucura, ou de crises de estresse, ganham contornos surrealistas. Não é ocaso de “O Anticristo”. O filme não é surrealista. É um realismo agressivo despontando como uma catarse a anti-emoção, por isso, um teste à sensibilidade do espectador. Dividiu opiniões internacionais.
Von Triers, numa entrevista que deu disse: “Um filme é um reflexo pálido da realidade. Se você está numa sala de cinema e chora, é uma pálida imitação de uma emoção similar que você teve na vida real. Dessa forma, um filme é sempre algo de segunda mão, uma emoção emprestada da vida real. Se alguém se assusta é porque, provavelmente, tem algum medo que pode ser extraído e usado durante uma experiência cinematográfica. Mas o cinema tem outras qualidades além de provocar emoções. (...).“Anticristo” é o que mais se aproxima de um “grito”. Ele surgiu na minha vida em um momento em que eu me sentia muito mal. A inspiração pode ser encontrada em meu próprio medo, em minhas próprias emoções. É daí que surgem as coisas, mas a partir disso, elas se transformam em outros elementos. (...)”

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