quinta-feira, 12 de novembro de 2009

CÓDIGO DE CONDUTA




Certos filmes propagam idéias perniciosas irresponsavelmente, ou seja, não medem as conseqüências do que mostram. É o caso deste “Código de Conduta” (Law Abiding Citizen/EUA,2009) ora em cartaz nacional.
No roteiro original de Kurt Wimmer, o pacato engenheiro Clyde Shelton (Gerard Butler) é surpreendido em casa por uma dupla de assaltantes que massacra a sua esposa e a filha diante de seus olhos (ele fica amarrado e amordaçado no chão da sala). Os assassinos são presos, mas só um justamente o que pediu indulgência para as mulheres embora tenha assistido ao crime, é condenado à morte. O outro, insensível às violências praticadas, ligado às drogas, recebe uma pena mínima. O jogo entre o advogado de defesa e o promotor ambicioso Nick Rice (Jamie Foxx) tende a um arranjo para que este alcance as melhores médias na prática forense de casos resolvidos e condenações. Sabendo da injustiça, Clyde passa dez anos arquitetando a sua vingança. E ela é extremamente cruel, não só contra o criminoso, mas contra o promotor e, enfim, o sistema que em tese deve defender o cidadão comum e arbitrariamente o penaliza.
A narrativa do diretor F. Gary Gray produz um “thriller” eficaz, com um dinamismo que prende a atenção do espectador da primeira à última cena. Mas se isto pode parecer um acerto desde que se considere a forma do filme, por outro é agravante por levar o espectador a uma torção de fatos, reforçando estereótipos, começando por seguir a temática básica, ou seja, a condenar junto com o principal personagem, as manhas de uma promotoria (no caso da cidade de Filadélfia) falha, acabando por reverter a trama e justificar a ação dos homens da lei na amostragem de uma vingança cruel. Em poucas palavras: condena-se à Pena de Talião (“olho por olho, dente por dente”) de forma superlativa. Tanto que não resta a idéia de um dono de casa sofrido pela perda de toda a família e o pouco-caso que o fato inspira diante da lei. Fica a impressão de que, no fundo, tentar a justiça pelas próprias mãos pode ser vista como benéfica. Contudo, a vítima acaba sendo o vilão, a lembrar o monstro da franquia “Jogos Mortais” (ainda hoje uma grande bilheteria na sua 6ª edição).
Manipular uma realidade é arma do cinema industrial desde um passado distante. Hoje a manipulação envolve o arsenal técnico que modula a atitude. Se na primeira seqüência de “Código de Conduta” vê-se com detalhes a morte da jovem esposa do herói (que logo será anti-herói), a emoção gerada pelas imagens vai se diluindo na medida em que a vingança ganha corpo e, entre outras coisas, surge a tortura que Clyde emprega sobre o criminoso em liberdade iniciando a fase de condenação contra o “sistema”, com as cenas dessa tortura gravada em DVD e enviado à família do promotor, sendo visto pela filha deste de 10 anos que entra em pânico.
O vingador da história usa o “slogan” do vilão na sua terrível saga de vingança: “Ninguém foge do seu destino”. O filme também. E nesse patamar exibe desencontros narrativos, seja de continuidade, seja de concepção arquitetônica. No primeiro caso, Clyde apanha socos na boca, expele sangue, mas em plano seguinte não exibe, em close, nem uma cicatriz. No segundo caso, toda a tecnologia empregada para atacar a policia é absurda, embora convença o público, se creditada ao novo processo da robótica exercendo o papel do auxiliar do vingador. Todo o arsenal de armas que este emprega é digno de histórias em quadrinho. Nunca abrem espaço para um drama que imita uma realidade muitas vezes requisitada pela mídia.
O que é possível dizer do trabalho de Gary Gray é que se tratar de um “thriller às avessas”: quem é mocinho passa a bandido e quem é bandido a mocinho. Mesmo assim, o plano final de Nick Rice aplaudindo um concerto da filha indica, em um close, a sua indisposição. Por mais que o enredo tenha retomado o fio da justiça, a ferida primitiva ficou. Pelo menos há esse close de encerramento mostrando que Nick aprendeu a lição. Mas será que esse jogo se encerra, mesmo, no sistema ?
Cotação: ** (Razoável).




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