terça-feira, 24 de novembro de 2009

ASSIM ESTAVA ESCRITO






A indústria do cinema nos EUA, centralizada em Hollywood, fez mitos e edificou seu próprio mito. As revistas de cinema, as colunas de jornais como as de Hedda Hopper e Louella Pearson, os programas de rádio, demonstraram a tirania dos grandes estúdios, mesmo camuflada de “glamour”, evidenciando não o poder de mando dos donos da “fábrica”, mas a aura de astros e estrelas, de artistas que foram moldados de forma a cativar platéias com um charme que muitas vezes não possuíam.
No final dos anos 1940 e inicio dos 1950, a própria grande indústria passou a realizar filmes que satirizavam os seus domínios. Coincidentemente esses filmes emergiam numa fase em que havia interesse em demolir o Código de Produção, ou Código Hayes, uma censura interna que modulava o que o cinema norte-americano deveria pautar suas produções geralmente requintadas. Seriam metodicamente filmes críticos. E como os fãs, espalhados pelo mundo, tinham na escola americana sua linha de criação e viam artistas e técnicos como deuses, a amostragem “humana” (vale as aspas) dava-lhes um ar de blasfêmia. Desta fase são, entre outros, “Crepúsculo dos Deuses” (1949/50), “Assim Estava Escrito” (1952), “Cantando na Chuva” (1952), “A Condessa Descalça” (1952), ”Nasce Uma Estrela” (1954), “A Grande Chantagem” (1955), “A Deusa” (1958), “A Cidade dos Desiludidos” (1962), “A Noite Americana” (1973) e “Barton Fink” (1991). Um grupo caracterizado por uma estética primorosa, a forma, aliás, cabível numa ótica eminentemente critica a um sistema que, enfim, subvencionaria os produtos.
“Cinema Sobre Cinema” que a ACCPA programou para o Cine Clube Pedro Veriano (Casa da Linguagem) elegeu “Crepúsculo dos Deuses”(já exibido), “Assim Estava Escrito”(hoje, 24), “Cantando na Chuva”(em janeiro), “A Noite Americana”(em fevereiro) e “Barton Fink”(em março).
“Assim Estava Escrito”(The Bad and the Beautiful) é provavelmente um dos trabalhos mais pretensiosos do esquema critico aos grandes centros de produção cinematográfica dos EUA em um determinado período. Trata de um produtor famoso, ora desgastado com alguns insucessos, que pretende se reerguer convidando velhos comparsas para uma produção de vulto. São estes: uma atriz (interpretada por Lana Turner), um roteirista (Dick Powell), e um diretor de arte (Barry Sullivan). Quem advoga o pedido é o diretor do estúdio (Walter Pidgeon). Em “flash back” se sabe que esse produtor (bem representado por Kirk Douglas), não acompanhou como devia uma crise emocional da estrela, usou de um estratagema para livrar o roteirista da constante intervenção da esposa deste (Gloria Grahame), incitando-a a viajar com um galã latino (Gilbert Roland), por infelicidade mortos em um acidente de aviação. Outra culpa é que esse produtor tampouco valorizou o outro colega. Essas mágoas impedem que o trio prestigie o cineasta quando lhes pede apoio. E nessa panorâmica do passado observa-se como funciona/funcionava a grande empresa do ramo, como eram manipuladas idéias, textos, intérpretes, enfim como era trabalhada um enredo visando exclusivamente um determinado gosto de platéia.c
O cinema dos chamados “tycoons” é mostrado com mágoa, mas sem tirar de si a maquilagem glamourosa. Os críticos da época viram no filme forte influência do “Cidadão Kane” de Orson Welles. Até porque John Houseman, colega de Orson Welles no Grupo Mercury de rádio e teatro, também participou da produção de “Kane”. Dessa forma, o isolamento do produtor Jonathan Shields (Douglas) é semelhante ao do magnata jornalista Charles Foster Kane (Welles). Ambos tiveram o poder nas mãos e vêem fugir muito do que tinham, especialmente do que lhe causaria orgulho. A diferença é que Jonathan não tem a sua “rosebud”, ou seja, a boa lembrança da infância que marcou Kane. O roteiro premiado de Charles Schnee, vindo de um conto de Geoge Bradshaw publicado em 1951 no “Ladie’s Home Journal”, mostra o homem maduro que sempre ambiciona e jamais se entrega a um exame de consciência e jamais se mostra arrependido de seu passado.
O filme recebeu 5 Oscar (atriz coadjuvante: Gloria Grahame, direção de arte, fotografia, roteiro, figurino) perdeu um (o de ator) e ganhou muitos outros prêmios internacionais. Deu margem à uma continuação: “Two Weeks in Another Town”(A Cidade dos Desiludidos), mostrando como o cinema norte-americano foi buscar espaço na Europa por volta dos anos 60.
É importante tomar contato com esses documentos históricos. Um dos objetivos da ACCPA para que o público se inteire, hoje, da absorção da ideologia cinematográfica desse país.

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