terça-feira, 17 de agosto de 2010

CAPITÃO ACHAB




















O nome Moby Dick é conhecido de todas as gerações. Muitos desconhecem, entretanto, que se trata de um romance do escritor norte americano Herman Meville, lançado em três fasciculos, em Londres/1851 e, depois, em NY, em edição integral.

Os que conhecem a obra e o filme homônimo de John Huston, de 1956, com Gregory Peck, perguntam se o que explora o diretor-roteirista Phillippe Ramos em seu “Capitão Achab”(Capitain Achab/França, 2007) é parte dessa fonte original (seja literária seja cinematográfica). Na verdade o argumento foi imaginado por Ramos. Ele concebeu uma estrutura psicológica que define o temperamento de Achab, ou Ahab, dando margem a que seja melhor avaliado o sentimento de vingança que o personagem carrega e transfere à caça do cachalote branco que lhe cortou uma perna.

O filme é dividido em 5 capítulos e cada um narrado por um personagem que participa da ação. A sequencia inicial mostra a morte da mãe do bebê Achab, sua dependência de um pai alcoólatra e violento, o aprendizado de criança sozinha (o pai o deixava na cabana onde moravam e saia para a caça, negando-se a levar o filho). Em seguida, o menino é levado a morar com uma tia, visto que o pai fora assassinado. Na nova familia, deve seguir as regras impostas pelo marido da tia sempre próximo ao tratamento violênto que moldou o seu caráter. Nessa fase, ao fugir de casa, é atacado por marginal procurado pela policia e, muito ferido, é colocado num barco à deriva. Encalha em um local isolado sendo socorrido por um padre que o abriga. Mas apesar dos cuidados deste, Achab não se deixa domar. Foge e se engaja na Marinha com predominio da pesca baleeira. É nessa profissão que, anos mais tarde, encontra a baleia branca temida por todos os que singram os mares. Perdendo uma perna na caçada, ganha outro socorro na casa de uma viúva. Mas nem mutilado e amado ele perde o impeto do mar. Com uma prótese do osso de um animal marinho, volta à caça da baleia que o mutilou. O último episódio é contado por Starbuck, um amigo nauta sobrevivente da fúria do animal que destrói o barco Pequod. Achab lanceta de morte a baleia, lançando-se no mar.

Há diferenças do original literário para as versões do cinema. O filme de John Huston enfoca diretamente a última caça à baleia. Em “Capitão Achab” é dimensionado um tipo e uma atitude indo às raízes disso. Naturalmente a escolha é mais difícil. Como a produção usa recursos limitados é a fórmula. Não há efeitos especiais modernos nem cenas de multidões. Nem mesmo um barco como Huston usou alocando o que a Disney construira para “20 Mil Léguas Submarinas”. Dessa forma, o jovem diretor francês, um apaixonado pela história de Melville (filmou 5 anos antes outra versão), opta pela introspecção. Detalha comportamentos, usa o manancial filosófico de Melville na estrutura do tipo principal, mostra como crianças maltratadas podem se tornar violentas, como o sentimento de vingança se sobrepõe até mesmo a um amor encontrado numa fase já madura da vida.

A iluminação, a cargo de Laurent Desmet e a direção de arte de Bruno Dumont, Rebeca Villareal, Erika Von Weissenberg e Tomas Westerlund,,conseguem criar o clima claustrofóbico que dá o tom necessário à gênese do personagem. Sendo ele próprio um editor (aqui auxiliado por Emmanuel Manzano), Ramos usa seqüências longas de planos fixos, algumas de plano-sequência, e prefere planos médios a closes, aproximando-se dessa forma à estética de cineastas alemães como Fassbinder ou a conterrâneos seus como Godard. Com isso, a idéia de um solitário vingador é esboçada até mesmo com poucas falas. Também ajudam atores como Virgil Leclair (Achab Criança), Jean-François Stevenin (o pai) e a máscara pétrea de Denis Lavant (Achab adulto).

Há momentos excelentes como a síntese da morte da mãe, abrindo o filme com um travelling sobre o corpo nu da mulher morta. Há cenas desnecessárias como o último plano do tipo sob uma arvore, após a seqüência de sua morte, forçando a narrativa poética. Também soa no mínimo estranha a inclusão de um filme antigo em preto e branco de caça à baleia para chegar ao embate com Moby Dick. O assunto podia ser sugerido, acompanhando a métrica que vinha sendo usada. Mesmo porque o filme foge do espetacular. Moby Dick é mais do que um animal: é um pesadelo ou a síntese do drama de Achab. Um filme de exceção a ser visto por quem estuda cinema.

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