quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O OITAVO DIA






“O Homem de 2 Vidas” (Toto Le Hero/Belgica, 1991) do cineasta Jaco Van Dormael é admirável pela forma como trata uma falsa biografia a partir da idéia de que um homem teria sido trocado, ao nascer, por outro que seria futuramente seu vizinho. As duas vidas seriam, portanto, a que ele vivia e a que o vizinho vivia, o que ele achava uma usurpação.

Em “O Oitavo Dia”(L’Huitiéme Jour/Belgica, França,1996) Dormael retorna a muitos detalhes de seu trabalho anterior. Aqui não é um insatisfeito que culpa seus dissabores pelo que acha melhor no possível herdeiro de sua identidade. Sua nova versão de avaliar a condição humana é de apresentar um jovem com a Sindrome de Down que é internado num hospital especializado desde a morte da mãe e que supõe que esta ainda vive sendo, o seu objetivo maior, voltar para casa (ele conversa em sonhos com ela). Quando ele resolve fugir desse lugar, e no caminho é atropelado por um executivo que atravessa uma crise familiar, o fato gera uma grande amizade entre os dois. George (Pascal Duquene) e Harry (Daniel Auteil) passam a gerar emoções em quem os acompanha numa viagem de reencontro. O doente a se achar sem a mãe visto que a irmã não o quer em casa, enquanto o executivo espera recuperar seu posto de marido e pai, visto que sua esposa quer deixá-lo pela incompatibilidade dele entre o trabalho e a familia (certo dia ele se esquecera de ir buscar as duas filhas numa estação ferroviária).

George é a forma da ingenuidade, um meio de Dormael analisar uma pessoa com disturbio genético ou síndrome de Down (pela presença de um cromossomo 21 parcial) como um ser humano que pode ser alegre e independente e, com isso, dispensar o olhar de compaixão dos outros. Há seqüências que incomodam os céticos, como as visões da mãe coladas à música de um intérprete latino. E há soluções fantasiosas como Harry/Auteil soltando foguetes no aniversário de uma das filhas para dizer que é um pai devotado (mesmo distraído). Essa busca do amor por caminhos simples, por artifícios musicais (não só da música latina), incomoda quem não aceita um misto de comédia e drama, mais ainda quando os gêneros saem de personagens potencialmente dramáticas. Mas, assim como Thomas (Thomas Godet), o menino “de duas vidas” que definia as viagens do pai como se ele desaparecesse por trás da porta (e ao som de uma canção francesa muito popular), os heróis de “L’Huitiéme Jour” perseguem a forma chapliniana de sorrir entre lágrimas. A mim o filme tocou sobremaneira e o final, quando George se define numa paráfrase bíblica dizendo que “no oitavo dia Deus fez o George e viu que era bom” expulsei qualquer senso critico. Dispensei a racionalidade em favor do sentimento considerando que este também produz a estética no cinema.
Conferir a obra de Chaplim para confirmar.

“O Oitavo Dia” ganhou em Cannes a palma destinada a melhor ator (dividida entre Pascal Duquene e Daniel Auteil). O filme foi candidato ao Globo de Ouro e a mais de dez prêmios internacionais e, apesar de tantas honras, não chegou a ser exibido nos cinemas de Belém (o poster esteve na sala do Cine Olimpia nos tempos de atividade comercial desse cinema). Quanto a Jaco Van Dormael realizou em 2009 um outro filme, de título “Mr Nobody”, mas, até agora não sei de distrubuição brasileira. Trata-se de um diretor-autor, até agora dono de um estilo fluente, sem desvios herméticos.

Mas a sua qualidade de mexer com elos dramáticos e sentimentais se contrapõe ao que é exigido pelo cânone em que vivem alguns adoradores do cinema moderno. Menos a quem não tem preconceitos e sabe discernir a beleza polimorfa dessa arte.
Para mim, um filme excelente. Sua exibição está prevista para este sábado, às 16 h, na Sessão Cult da ACCPA, no Cine Libero Luxardo (Centur).

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